segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Notas de conjuntura alagoana

Notas de Conjuntura
ALAGOAS

Apertem os cintos: o piloto é tucano e o caminho é pelas pedras

O governo estadual, ao contrário do federal, não tem papas na língua. Não é questão de ser pior ou melhor, é apenas uma maneira diferente de operar. É papo reto e a política neoliberal come solta, sem blindagem social. Quem não lembra que FHC chegou a dizer que o PSDB faria de Alagoas o seu laboratório?

Evidente que após desgastes em greves e enfrentamentos, arranjos políticos foram feitos, como o recente “pacto pela educação” (ensino médio e fundamental) firmado com o sindicato da categoria e mediado diretamente pelo MEC, na presença de seu chefe Fernando Haddad. Por outro lado a UNEAL arrasta em greve e a UNCISAL também já expôs suas deficiências e sucateamento.

O sinal de alerta para os movimentos têm ficado hoje por conta da discussão das Fundações Estatais de Direito Privado, a atingir os hospitais locais e pô-los na lógica do mercado e da precarização do trabalho. Facilitado por medida do governo central de Lula, a coisa vai vir com força por nossas bandas e para enfrentar será preciso superar a timidez e dispersão das primeiras mobilizações a respeito.

Destaque também para o programa de Parcerias Público-Privadas. Este tem sido visto com a atenção necessária para aquilo que tem sido a alma das chamadas políticas neoliberais, tanto que seu Conselho Gestor passou a ser presidido pelo vice-governador, José Wanderley (PMDB). O programa das PPP’s é focado nas áreas de infra-estrutura, ciência/tecnologia e agronegócio. O anúncio de privatização nas estradas, com a cobrança de pedágios, corre por aqui.

A “linha dura” no modelo de gestão em Alagoas guarda relação com a intensificação nas aproximações com o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este último atinge a parte de “desenvolvimento econômico” do Estado e o primeiro cuida mais da parte de “modelo de gestão pública”. Recordamos que ainda em 2007 foi notícia as primeiras reuniões entre o Tesouro da União, o Banco Mundial e o Governo de Alagoas, para fechar acordo a respeito da reestruturação da divida pública interna de Alagoas. Naquela ocasião a dívida era avaliada em 6 bilhões, mas hoje, já atinge 7 bilhões.

A dívida interna, que não deveria ser pública, visto que foi principalmente contraída para salvar ou incrementar interesses privados (especialmente dos usineiros), é um ponto importante e que deixa Alagoas de mãos atadas, ainda mais dependente de financiamento federal. Para além da discussão de “ajuste fiscal” e de “honrar” com os compromissos financeiros, que em essência não tem significado outra coisa que mais oportunidades para os ricos e mais aperto para os pobres, está em jogo a racionalização e profissionalização de um determinado modelo de gestão pública.

Se pensarmos que Alagoas sempre foi marcada como ícone dos mandos e desmandos, a primeira vista isso poderia ser sinal de modernização e, por conseqüência, de melhores momentos. No entanto, é sabido que o tempo corre, o mundo se transforma, a sociedade se diversifica e nisso as estruturas tem se complexificado e naturalmente exigido o aperfeiçoamento de mecanismos de poder e controle.


As taturanas um ano após o escândalo

É notório que a Operação Taturana abalou velhos caciques da política alagoana. Nas últimas eleições municipais, figuras como Cícero Ferro, Antônio Albuquerque e João Beltrão sofreram derrotas, que se não significam um processo de ascensão e organização do povo em luta, tem algum significado simbólico e até mesmo moral. É claro que eles continuam com força, os Beltrão, perderam em três municípios, porém, ainda estão em outros cinco.

Apesar dos pesares, muita água ainda vai passar, visto que das taturanas desencadeou outros processos na justiça – atingindo quase que as mesmas pessoas – como os de crimes de mando, que sempre marcaram a história da política alagoana. Mas se muita água ainda vai rolar, onde ela vai desaguar e o que vai trazer não tem indicado possibilitar maior ganho para uma perspectiva de acúmulo para forças sociais. A questão tem sido abafada na própria institucionalidade, que vai desde o também indiciamento do deputado do PT, Paulão, para a mais recente recusa da bancada do PT em assinar o pedido de cassação de Antônio Albuquerque.

No terreno da luta, como já tínhamos avaliado, os movimentos sociais e entidades deixaram passar uma boa oportunidade de ganhar força ideológica e mobilizar variados setores, ainda que nos pareça ser uma pauta mais permeável a indignação de setores médios, em geral motivados por falso moralismo, do que propriamente aqueles que sofrem as maiores conseqüências e amarras da política de mando.


A crise financeira em Alagoas – entre anedotas, cinismo e efeitos

Ao se falar de crise, não poderia deixar de entrar em cena os profissionais do “discurso da crise”, que historicamente por este meio, sempre teve garantida a legitimidade para o seu saque aos cofres públicos. Os usineiros e grandes fornecedores de cana caíram com o discurso afinado. O usineiro e deputado estadual Fernando Toledo, chegou a dizer, textualmente, que era preciso “fazer um mutirão (na Assembléia do Estado) em prol do setor canavieiro” e que “pessoas que eram consideradas ricas, hoje encontram dificuldade até para comprar comida”. A afirmação dispensa maiores comentários.

O curioso é que, segundo especialistas, já em outubro de 2008 as usinas superaram todo o montante de vendas externas do ano de 2007. Se a maior parte do cultivo da cana-de-açúcar é realizado pela própria usina, não é difícil dizer que se os pequenos fornecedores de cana possam possuir uma agenda mais concreta de reivindicações por crédito, o “socorro” e as articulações ficam, no momento, muito mais para oportunismo dos que não admitem nem pensar em possibilidades de qualquer tipo de aperto, pra já ou pra depois, do que por uma situação real.

É claro que considerando que a atividade é voltada para o mercado externo, o reflexo da crise no setor é certo e é preciso estarmos atentos aos desdobramentos. Um fato que já ocorre nos últimos anos é a migração dos grupos empresarias alagoanos para o sudeste e centro-oeste do país e a presença cada vez maior do capital estrangeiro no setor sucroalcooleiro, e nesta última questão, a discussão em torno do Etanol tende a aumentar ainda mais essa presença.

Cabe nota, que estes que “pedem o penico” são os mesmos que foram notificados por desrespeito aos direitos de trabalhadores do corte de cana. O ano de 2008, que também viu a insatisfação de trabalhadores do corte de cana com algumas greves e bloqueio de estradas, teve a notificação por parte de força tarefa da DRT em 13 das 15 usinas inspecionadas.

Voltando ao “colapso financeiro”, dos que “sofrem” de imediato, o destaque inicial vai para o Grupo João Lyra (que tem três usinas em Alagoas e duas em Minas Gerais) e há quem aposte que o mesmo deve desfazer-se de patrimônio para saldar as dívidas, que só com o banco inglês Calyon é da ordem de 70 milhões de dólares. No fim do novembro o grupo deu entrada a pedido de “recuperação judicial” (concordata). Mas a relação disso, parece está mais diretamente ligado com o dinheiro jorrado em sucessivas campanhas eleitorais, suas e de outros, que o fez perder a “gordura” de dinheiro vivo. Ao fim das contas, a concordata que também vem sendo pedida por outros grupos empresarias do setor pelo Brasil afora, não deixa de ser uma maneira de possibilitar a normatização das contas de usineiros com os prazos e benesses que são acostumados.

Em Maceió, tivemos um fato curioso, que mais parece anedota, mas trata-se de uma manobra política pegando o vácuo aberto. Mal haviam começado os alarmes dos mercados financeiros e o prefeito de Maceió, o recém reeleito Cícero Almeida, se “antecipou” e anunciou seu “pacote” de contenção de gastos administrativos para amenizar possíveis efeitos da crise. Além de manter seu estilo, numa atitude provavelmente assoviada ou acertada por marqueteiros e consultores políticos – visando a popularidade que como demonstraram o processo eleitoral já é alta – tem a serventia de preparar um terreno para abafar os visíveis e latentes rombos nas finanças da prefeitura.

Para efeitos políticos e sociais, deve-se tomar em conta que o desenrolar desta crise pode significar um corte em gastos do PAC e programas sociais. Embora Lula bem saiba o valor político-ideológico destes na blindagem de seu governo e que tenha afirmado não haver cortes destes, não deixou de admitir ao menos uma manutenção dos valores atuais. Isso, por si só, não deixa de ser um corte, pois não acompanha inflação e outros fenômenos da economia. A importância disto para Alagoas está na medida de sua forte dependência de verba federal.

Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares, dezembro de 2008

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Entrevista com anarquista grego

OS ANARQUISTAS E A REVOLTA SOCIAL NA GRÉCIA


Alexandros Grigoropoulos, jovem anarquista morto pelas forças policiais.

Como nenhuma mídia do poder pode ocultar a Grécia vive desde o dia 05 de dezembro um cenário de revolta popular marcante na história recente da Europa. Dias de fúria social contra os aparelhos repressivos, a classe capitalista e um governo cambaleante pela crise que assusta todo o mundo e joga a conta no emprego e nos direitos sociais dos trabalhadores, os imigrantes e a juventude. Publicamos aqui uma entrevista produzida pela página web espanhola Kaos en la Red com um companheiro anarquista grego que nos faz um quadro geral das lutas e da intervenção libertária nesse processo popular.

Kaos en la Red entrevista a Yannis Androulidakis, Secretario Internacional do Sindicato grego, ESE (anarcosindicalista)



1. Em que outras cidades além de Atenas, se efetuaram manifestações de protesto?

As revoltas se acendem por todas partes na Grécia. Incluso nas pequenas cidades, em todos os departamentos do país houveram manifestações, senão é só ver os motins contra a polícia. Eu cito Tessalônica, as 3 grandes cidades de Creta (Héraklion, Hania, Rézymno), Yannena, Agrinio, Patras e Komotini (duas cidades onde tiveram operações comuns entre a polícia e os grupos neonazis), Larissa (onde se acusou um garoto de 14 anos pela lei antiterrorista), Trikala, Kerkyra, Lesvos etc


2. Onde tem sido mais grandes as mobilizações?

Em Atenas há numerosas "Manis" (manifestações N.T.) todos os dias convocadas por diversos coletivos, ou inclusive chamados por Internet ou SMS. Os alunos de segundo grau cercam todo dia as estações da polícia em toda a cidade. No centro da cidade há três universidades ocupadas por militantes (Escola Politécnica, Escola de Economia e Escola de Direito) Poderiamos dizer que estas três ocupações compõem a coordenação do movimento enquanto se refere aos adultos. Pelo que se refere aos estudantes de ensino médio, se podem observar formas de organização completamente novas, horizontais e formidáveis. Atualmente há ao redor de uns 800 institutos ocupados na Grécia.


3. Se pode falar de levantamento popular ou se exagera esta afirmação?

Não somente se pode falar de um levantamento popular, se trata da maior rebelião na Grécia desde, ao menos, finais de 1965, provavelmente uma das maiores rebeliões no mundo ocidental desde o Maio de 68 em Paris. Tem que ser destacado que não se trata de uma rebelião de "militantes", ainda que o movimento de esquerda, de extrema-esquerda e sobre tudo dos anarquistas são bastante fortes no país, não se trata tampouco de um movimento dos marginalizados (como em Los Angeles em 1992 ou Paris em 2005), tampouco uma rebelião da "juventude". Gente de todas as idades e de diferentes camadas sociais tem saído às ruas a se enfrentar com a polícia. À ponto do “black block” (muito forte na Grécia), pareça uma força moderada nas ruas. É a cólera social de muitos anos, possivelmente destes 34 anos de república grega, que saiu às ruas.


4. Qual o papel desempenhado pelos estudantes na origem do protesto?

É difícil distinguir os distintos grupos sociais. Os estudantes de 14 a 16 anos são talves os mais visíveis, estão todos os dias nas ruas, fazem 2 ou 3 manifestações, atacam todos dias vários postos policiais. Às vezes vamos acompanhá-los por temor, para não deixar crianças diante de gente armada, ainda que se trate de uma nova politização que às vezes não comparte os mesmos temores sobre a violência popular. O que costumamos chamar na Grécia “ignorância do perigo”. Os estudantes, por sua parte, tentam vincular esta rebelião com suas próprias pretensões e serão a próxima “bandeira” do movimento, provavelmente.


5. - Os jovens do sexo masculino são o núcleo dos protestos? Qual o peso que tem os diferentes componentes do anticapitalismo nestas (anarquistas, comunistas, etc)?

Quem quer que diga que "dirige" este movimento é um mentiroso. Se bem tenha sido acendida pelos anarquistas de Atenas, esta rebelião, de súbito, foi esponteamente seguida por todas as identidades políticas. As idéias e os coletivos anticapitalistas foram bem reforçados durante estes dias. Poderíamos distinguir as três ocupações de Atenas, a Escola Politécnica está nas mãos dos anarquistas “puristas” (o que não quer dizer grande coisa atualmente), a Escola de Economia é um lugar em que o anarquismo-luta de classes está muito presente (os comitês de trabalhadores foram ao seio desta ocupação para ir aos lugares de trabalho e discutir com os operários) e a Escola de Direito agrupa a parte maior da extrema esquerda. Resta acrescentar que no que concerne à esquerda parlamentária, o Partido Comunista (sempre stalinista) denuncia a “rebeliãodice” dos “provocadores”, ao mesmo tempo que partido “Synapismos” (Esquerda Européia), participa da manifestação sem tomar parte em nenhum processo do movimento.


6- Como avalias o seguimento da recente greve geral?

A única central oficial do país, GSEE, é históricamente culpada por sua ausência neste movimento. Esta ausência da maior rebelião destes 50 anos assinala a derrota e a falha do sindicalismo estatal e burocrático. A greve do 10 de dezembro foi proclamada antes do assassinato do companheiro Alexandros, para reivindicar medidas contra a crise. Então o GSEE tem que decidir (depois de um pedido do primeiro ministro) se anula a manifestação de protesto para não participar do motim! Este comportamento se opõe aos interesses populares e operários, avança à colaboração de classe contra a luta de classes. Denunciamos esta política de traição do GSEE e reiteramos a necessidade urgente de uma nova confederação sindical na Grécia. Acrescento que a pesar do GSEE, várias dezenas de milhares se manifestaram em Atenas e em outros lugares, sob o chamamento dos coletivos operários, as ocupações e certas uniões. A participação na greve foi bastante grande também, visto que uma grande parte do processo produtivo estava já cortada no país.


7-Qual o papel que jogam os meios de comunicação gregos? A nível internacional, os meios de comunicação falam de “vandalismo”.

Os meios de comunicação desempenham papel de “véu escuro”. Várias vezes publicaram mentiras sobre “vandalismos” que nunca aconteceram (biblioteca nacional queimada, academia destroçada, possivelmente amanhã poderão falar de demolição do Pantheon) ou se difundem rumores que há um pedestre morto por uma pedra.

No dia seguinte dizem: “éé, sim, isto nunca aconteceu antes, tu vê... É que com a bagunça de ontem, tivemos estas informações”. A realidade é (posso assegurar isto pessoalmente como jornalista), que de tais “informações” escapam todos os dias da polícia e depois os meios de comunicação as reproduzem sem o menor controle. Outras vezes, os meios de comunicação falam que anarquistas na França, na Espanha e na Itália já estão a caminho para ajudar os anarquistas gregos. Mas que outra coisa se pode esperar dos meios de comunicação oficiais, já que seus proprietários são os mesmos capitalistas que exigiram a política econômica que motivou esta rebelião? Acrescento que as agressões da polícia durante estes dias (disparos, torturas, etc.) estão sempre presentes nas páginas web alternativas como a athens.indimedya.org, indy.gr e os meios de comunicação só o reproduzem quando já estão conhecidas. Passou o mesmo com o assassinato do companheiro Alexandos.


8- É normal este comportamento da polícia grega?

O Comissário do Conselho da Europa T. Hamarberg (suponho que não seja anarquista...) denunciou a violência excessiva e permanente da polícia grega, na medida em que a polícia goza de impunidade diante dos tribunais. Por último, se propôs o desarme da polícia grega por razões de segurança. Desde o assassinato do camarada Alexandros tivemos 400 feridos, pelos disparos “às cegas” que se realizam todos os dias, dezenas de manifestantes feridos pela tortura da polícia.


9- Como podemos analisar o assassinato deste jovem de 15 anos? É talvez o começo de uma aumento da repressão que se aproxima?

O companheiro Alexandros não foi a primeira vítima da violência policial na Grécia. Desde a transição política (1974) temos por volta de 100 mortos por disparos da polícia grega. Os ativistas, imigrantes, ciganos, jovens, descapacitados, inclusive crianças! Faz três anos, a polícia começou em Exarheia um assalto a este bairro de Atenas com uma longa história militante. Mas não se pode esquecer que a repressão estatal é cada vez maior com a repressão econômica, a pobreza, etc. Em uma Europa que requer 70 horas de trabalho semanal aos trabalhadores, a repressão é o único “argumento” dos empregadores e dos estados. Por tanto, estamos em um período de grande repressão em todo o mundo.


10- O sindicato que você representa pede a demissão do governo grego?

Em primeiro lugar, temos que dizer que o sindicato SEA Atenas não tem processos iniciados foram do que está sucedendo. Estamos todos em assembléias e suspendemos toda a “vida orgânica”. Não somos uma parte que vai separadamente a organizar uma revolta. Somos um pedaço da revolta, nossa vida é o ativismo nas ocupações e as assembléias. Nossas demandas são as das Assembléias. Sobre a tua pergunta, não acreditamos que uma mudança de governo pode mudar nossas vidas. Necessitamos uma mudança de desistema econômico. A assembléia da ocupação da Escola Econômica, chamou ao desarme da polícia e a supressão das forças especiais.

Depois de tudo, se o governo cair será por causa de uma revolta que demonstrará que as pessoas têm a capacidade para ganhar o poder.


11- Como se põe em ação o movimento anarquista em suas diversas correntas nas lutas e protesto?

Os anarquistas foram os primeiros que acenderam a revolta, na noite do assassintado de Alexandros. Eles participaram em todas as ações de rua e asseguraram que a ira e a violência das pessoas se movesse em direção aos bancos, às multinacionais e às comissarías de polícia e não aos pequenos comércios e automóveis. Não devemos esquecer que a polícia secreta fez esforços par converter os distúrbios em uma “violência cega”. Mas não tiveram êxito.

Por outra parte, são os anarquistas que operam em todas as ocupações. Pessoalmente sou parte de um núcleo que exige que os trabalhadores se envolvam abertamente nas ocupações, como é o caso visível dos ativistas da ocupação da Escola de Econômia..


12- Como afeta a Grécia a crise econômica?

Inclusive antes da crise, a situação na Grécia era bastante difícil. De maneira que, a partir de 1996 os políticos falam da “poderosa Grécia”, referindo-se à capital do negócio dos Balcãns, quando dos jogos olímpicos. O salário mínimo não excedia de 650 euros, enquanto existia uma grande precariedade entre os jovens, especialmente. A maioria das pessoas e das famílias têm grandes dívidas devido à investida dos bancos na economia grega. Depois do Crack, os patrões começaram a despedir “para reduzir os custos”, aumentou a incerteza, mas também a ira das pessoasl existe uma grande precariedade antes de la crisis, la situación en Grecia era bastante difícil.


13- Você acredita que estes fatos também estão vinculados com a crise capitalista internacional?

Como disse, sim. A crise aumentou a ansiedade e a ira das pessoas. Também reforça o sentir de que não podemos confiar nos amor deste mundo e que nossa emancipação chegará através de nós mesmos.


14- O que você espera destas mobilizações?

As mobilizações sempre dão resultados inesperados. A realidade já superou muitos planos e projetos das organizações e ativistas. Mas por outro lado, este movimento não se fez, até o momento, demandas concretas. Pessoalmente, o que espero é sair deste novo movimento com estruturas de trabalhadores, os sindicais, sociais e populares mais organizadas e mais concretas na luta. Mas, tendo em conta o que está acontecendo na Grécia, também espero que a realidade seguirá sendo superior a nossas expectativas. Já vivemos aqui e podemos fazê-lo de novo. Não se pode esquecer que há uma inteligência que supera a inteligência de todos os gênios. E é a inteligência coletiva do mundo, é a inteligência das pessoas saindo Às ruas para restabelecer a vida.



Fonte: FAG

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

[Boletim] discutindo classe, território e luta

ONDE HÁ OPRESSÃO, QUE SE ORGANIZE A RESISTÊNCIA
Uma breve discussão sobre classe, território e luta


A organização dos setores explorados da sociedade enquanto classe trabalhadora é a forma clássica que se constituiu de se enfrentar a elite capitalista no século XIX. Eixo fundamental para se colocar a frente todas as contradições de classe proveniente da relação contraditória entre capital e trabalho.

Com o desenvolvimento do capitalismo e a industrialização de alguns países, também se desenvolve a classe operária, que a partir do seu trabalho gera toda a riqueza expropriada pelos patrões. Aos trabalhadores resta uma pequena parte da riqueza produzida, suficiente para garantir, muito mal, a sua reprodução enquanto força de trabalho. Sobre esse ponto fundamenta-se toda a lógica do sistema capitalista, que não se resume a isso, mas as demais questões se relacionam de forma direta ou indireta com esse fato.

No século XIX, os trabalhadores possuíam jornadas de trabalhos muito duras, que chegava a passar das 15h por dia. Até parte do século XX, viviam nas antigas vilas operárias. Compartilhavam, portanto, um convívio não só no trabalho, mas no bairro, o que de certa forma favorecia a identificação enquanto classe e dava um formato a reivindicações comuns que não se restringiam apenas a questão salarial e de jornada de trabalho.

Durante todo o século XX, as relações de trabalho mudam e o capital se adapta às mudanças ocorridas, sempre arrumando novos meios de explorar a classe trabalhadora e garantir a sua reprodução.

Com o tempo, não apenas os operários fabris passam a buscar uma organização e a discutir a suas lutas mais imediatas em relação a um projeto de transformação social. Outras categorias de trabalhadores e até mesmos outros agrupamentos sociais, como estudantes, movimentos de bairro, movimento ambiental, feminista, etc., passam a abraçar a causa que originalmente fora levantada pelos operários.

A identificação do povo enquanto setor explorado que precisa se organizar não é exclusivo dos operários fabris. Veja a importância das periferias das grandes cidades, que na maioria das vezes estão à margem do que a humanidade produziu de mais avançado nos diversos aspectos da vida. Não é a clássica exploração da mais valia, mas a manutenção desses setores nessa situação é de fundamental importância para reprodução do capital. Bem como os setores de serviços, pois sem a exploração dos trabalhadores desses setores não há uma reprodução eficiente do capital.

Existem vários aspectos da sociedade que não estão vinculados diretamente com a exploração econômica (cultura, meio ambiente, gênero, etc) que também são importantes na luta por uma nova sociedade. Porém, nenhum desses aspectos explica sozinho a origem das contradições entre as classes sociais. Na verdade, eles tendem a se relacionar de maneira direta ou indireta com as questões econômicas. O fator econômico é a base de entendimento para a lógica da sociedade em que vivemos, mas ele sozinho também é insuficiente para dar conta, pois a questão da transformação social não é somente um problema de economia.

Os operários fabris não são a maioria de nossa sociedade e cada vez mais têm seu trabalho precarizado, como no caso das terceirizações, por exemplo. Sua luta é central, a mais estratégica para colocar em cheque o modo de produção capitalista. Mas de maneira alguma pode ser feita à revelia dos demais setores explorados de nossa sociedade. Uma nova sociedade é para todos e o seu projeto de transformação tem que ser impulsionado e construído pelos setores explorados de nossa sociedade.

Em particular, ressaltamos a importância da população das periferias de se organizarem. Até mesmo os operários que antigamente se agrupavam nas vilas operárias, hoje, em sua maior parte, estão pulverizados pelas periferias. Há uma identificação, em potencial, muito forte dos moradores desses lugares de se identificarem como um grupo que compõe a vida social das cidades e que são a maioria explorada. Juntos não podem paralisar a produção de riqueza material, mas podem lutar por ampliações de direitos, pela melhoria mais imediata de suas vidas.

Se essa luta é travada baseada nos princípios de solidariedade de classe, autogestão, ação direta e independente de políticos e patrões sua importância transcende a essas reivindicações mais imediatas e colabora no desenvolvimento de uma ideologia libertadora que não encontrará outra saída se não almejar a emancipação humana. Esse tipo de luta pode, inclusive, contaminar outros setores que a partir da luta no seu local de moradia podem levar esses ideais para outros ambientes.

BOLETIM CAZP - DEZ/08

[Boletim] A equação do peleguismo em Maceió

CAMINHOS E DESCAMINHOS:
a equação do peleguismo em Maceió


A Câmera de Vereadores de Maceió terá em 2009 dois pretensos “mandatos populares”. Ao menos é assim que, por vezes, se tem propagado a eleição de Heloisa Helena e Ricardo Barbosa, ambos do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

A votação de HH foi sem dúvida arrebatadora, a maior da história de Maceió, quase o dobro da do segundo lugar. Isso garantiu de quebra, por conta do coeficiente eleitoral, levar Ricardo Barbosa com apenas 450 votos.

Da parte de HH foram feitas criticas públicas após o resultado, a respeito do critério de coeficiente eleitoral que garantiu ao PSOL mais um assento, mesmo tendo seu segundo uma baixíssima votação. A serventia é dupla. Pelo lado pessoal (de Heloísa), mantém a sua áurea de “coerente” frente à “opinião pública”. E pelo lado partidário, no fim das contas o que é será. Ou seja, missão cumprida: elege-se um e leva outro.

A expressiva votação de HH tem relação com determinada credibilidade que a mesma construiu em seus oito anos de senado. É a política que guarda em si uma áurea de “ética” e de que, em cargo legislativo, é uma boa pedida para brigar com os “corruptos” lá dentro. Seria esse o ideário que permeou boa parte daqueles que depositaram sua confiança na principal figura pública do PSOL, que dizia em sua campanha recomeçar “humildemente” como vereadora.

É claro que não se tratava de humildade, e sim de estratégia política do PSOL. Essa, é a inserção no jogo político institucional ocupando cargos parlamentares que viram a fonte de energia e marco estruturador de toda a sua vida partidária. Nada novo. A tática, pois, foi pôr HH como “humilde” vereadora na intenção de garantir, no mínimo, um. Com dois, melhor não poderia ter sido.

Até 2010, pois para os partidos das eleições burguesas contam-se os anos de dois em dois, muitas águas vão rolar, jogo de forças internas e vaidades e projetos pessoais também. Para quem não enxerga um palmo além de uma eleição e seus acordos tácitos e formais, para quem não vê nada além do que gira ao seu redor e, sobretudo, para quem não pensa em estratégia de ruptura em longo prazo a trajetória não pode ser outra senão a que toda a história já nos ensinou, inclusive, a recente do PT.

Os anarquistas de matriz especifista têm colocado que da velha fórmula de pragmatismo político, mais participação eleitoral e construção de partido de massa, não pode ter outro resultado que não reformismo e traição de classe. Nada além disso tem sido gerado historicamente por esta equação política e para os trabalhadores não tem ficado outra coisa senão seu desarme político-ideológico desde as suas bases.

Para nós, anarquistas do CAZP, a militância não é meio de vida nem forma de ascensão social. Ao contrário disso, a política eleitoral não oferece outra coisa. Malatesta não se enganou quando dizia que a medida que os socialistas se fortalecem nas lutas parlamentares, é a medida em que eles deixam de lado as idéias socialistas de radical transformação social.

Ora, vejamos sob que quadro político-parlamentar irá atuar os dois candidatos do PSOL. A composição da Câmera de Vereadores, além dos de famílias mais tradicionais, têm o que foi eleito mesmo estando preso, os que se garantem por seus projetos sociais auto-promocionais e financiados com dinheiro público, têm pastor, têm as que por bem ou por mal se valeram da condição de portadoras de necessidades especiais e, como já de praxe, têm a representação oriunda de programas policiais.

Não é para fazer caricatura ou folclore, muito embora seja difícil se esquivar disso com esse quadro. Mas, perguntamos: o que os “socialistas parlamentares” poderão fazer? O reeleito Cícero Almeida (PP), potencial candidato ao governo do Estado, está com quase toda a bancada. Mas de onde veio o sucesso eleitoral do PSOL? Base social organizada? Busca de novas alternativas? Nada disso, apenas um fenômeno de personificação “ética” e, pior, sem lastro na luta popular.

Quem quiser que acredite em “mandato popular” e oportunidades para os de baixo. Não somos profetas, nem tão poucos ilusionistas. Somos anarquistas e buscamos fincar raízes pela luta popular de longo prazo. A gente se encontra na rua.

BOLETIM CAZP - DEZ/08

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

[Formação] O problema da organização e a noção de síntese

O PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO E A NOÇÃO DE SÍNTESE
Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro
(Comitê Editorial de Dielo Trouda)

Muitos companheiros têm dado sua opinião nas colunas do Dielo Trouda (“A Causa Operária”), a respeito da questão dos princípios anarquistas e do formato organizativo. Nem todos sem aproximam do problema desde o mesmo ângulo. A essência deste problema, segundo entende o comitê editorial do Dielo Trouda, consiste no seguinte.

Os anarquistas que agitam e lutam pela emancipação do proletariado devem, a todo custo, pôr fim a dispersão e a desorganização que abundam em nossas fileiras já que estas destroem nossas fortalezas e nossos esforços libertários. A forma de superar isto é criar uma organização que talvez não agrupe a todos os militantes ativos do anarquismo, porém, certamente a maioria deles sob a base de posições táticas e teóricas específicas, e nos leve a um firme entendimento de como estas se devem aplicar na prática.

Não é necessário dizer que, para tratar esta questão, deve-se lançar mão para a elaboração de posições teóricas e táticas que forneça a base, a plataforma, para esta organização. Pois, se não associarmos a idéia de tal organização com posições teóricas e táticas bem definidas, podemos desperdiçar nosso tempo falando da necessidade de organizar nossas forças sem ganhar nada com ela.

O Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro nunca tem perdido de vista essa última questão. Em uma série de artigos publicados no Dielo Trouda, seu ponto de vista tem sido parcialmente exposto em assuntos de particular importância para um programa: a relação do anarquismo com a luta das classes dos explorados, sindicalismo revolucionário, o período de transição, etc.
Nossa próxima tarefa será chegar a uma clara formulação de todas essas posições e princípios para logo expô-los em uma plataforma organizativa mais ou menos acabada, a qual servirá de base para unir certo número de militantes e grupos em uma mesma organização. Esta última, por sua vez, servirá de trampolim para uma fusão mais completa das forças do movimento anarquista.

Esta é, então, o caminho que temos escolhido para a resolução do problema organizativo. Não é nossa intenção proceder, nesta ocasião, com um re-exame total de valores ou a elaboração de novas posições. Nossa visão é que qualquer coisa necessária para a construção de uma organização anarquista, fundada sob uma plataforma dada, pode ser encontrada no Comunismo Libertário que expõe a luta de classes, a liberdade e a igualdade de todos os trabalhadores, e que encontra sua realização na Comuna anarquista.

Aqueles companheiros que são partidários da noção de “Síntese” teórica entre as variadas correntes do anarquismo têm uma noção muito distinta da questão organizativa. É lastimável que sua visão esteja tão debilmente exposta e elaborada, e que seja, então, muito difícil fazer uma crítica cabal dela. Essencialmente, sua noção é como segue. O anarquismo se divide em três ramos: anarquismo comunista, anarco-sindicalismo e anarquismo individualista. Pese a que cada um destes ramos tem de particulares, os três se parecem tanto e são tão próximos um ao outro, que é só graças a mal entendidos superficiais que tem existência como ramos separados.

A fim de dar surgimento a um movimento anarquista forte e poderoso, é necessário que ele se funda completamente. Essa fusão, por sua vez, implica em uma síntese teórica e filosófica dos ensinamentos sobre as quais cada um desses ramos se funde. Só depois da síntese teórica desses ensinamentos, podemos abordar a estrutura e o formato de uma organização que represente as três tendências. Tal é o conteúdo da Síntese assim concebida, como tem sido exposta na “Declaração dos anarquistas trabalhando conjuntamente”, e uns quantos artigos de Volin [1], publicados no Anarjichéskii Véstnik (“Mensageiro Anarquista”) e no Dielo Trouda (números 8 e 9). Nós estamos de total desacordo com esta idéia. Sua inadequação é notoriamente óbvia. Para começar, por que esta divisão arbitrária do anarquismo em três ramos? Há outros também. Podemos mencionar, por exemplo, o Anarquismo cristão, o Associacionismo, o qual seja dito de passagem, é mais próximo ao comunismo anarquista que ao individualismo anarquista. Então, qual é, precisamente, a consistência das discrepâncias “teóricas e filosóficas” entre as já mencionadas três tendências, sem querer aperceber uma síntese entre elas?

Antes de falar entre uma síntese teórica entre o comunismo, o sindicalismo e o individualismo, necessitamos analisar estas correntes. A análise teórica mostra rapidamente o grau em que o desejo de sintetizar essas correntes é descabido e absurdo. De fato, falar de uma “síntese entre comunismo e sindicalismo” não significa resistência entre eles? Muitos anarquistas têm visto o sindicalismo como uma das expressões do movimento revolucionário proletário, com um dos métodos de luta expostos pela classe operária em sua luta pela emancipação.

Nós entendemos o Comunismo como o objetivo de libertação da classe produtora. Então, pode o fim estar em contradição com seus meios? Só um raciocínio débil de um intelectual diletante, ignorante da história do pensamento comunista libertário pode pôr-los a parte, em paralelo, para tratar de fazê-los chegar a uma síntese. Por nossa parte, estamos bem conscientes que o comunismo libertário sempre tem sido sindicalista na medida em que contempla a existência e expansão de organizações de ofício independentes como uma necessidade para a vitória social dos explorados.

Então, só pode ser e na realidade não é senão um assunto, não de síntese teórica do comunismo e do sindicalismo, mas do papel que deve ser atribuído ao sindicalismo nas táticas do comunismo anarquista e na Revolução Social dos explorados.

A incoerência teórica de quem apóia a Síntese é ainda mais chocante quando tratam de chegar a uma síntese entre comunismo e individualismo. De fato, em que consiste o anarquismo dos individualistas? Na noção de liberdade dos indivíduos? Porém, o que é a “individualidade”? É a individualidade em geral, ou a “individualidade” oprimida dos explorados?

Não há tal coisa de “individualidade em geral” porque de uma ou outra maneira, todo indivíduo se encontra a si mesmo, objetiva ou subjetivamente, nas fileiras do Trabalho ou nas fileiras do Capital. Porém, esta idéia não está implícita no comunismo libertário? Poderíamos inclusive dizer que a liberdade do indivíduo, enquanto explorado, só é realizável no contexto de uma sociedade comunista libertária que tenha um interesse escrupuloso, tanto na solidariedade social, como no respeito aos direitos do indivíduo.

A Comuna anarquista é o modelo de relações sociais e econômicas melhor adaptado para realizar o desenvolvimento da liberdade do indivíduo. O comunismo anarquista não é um esquema social rígido, inflexível, o qual uma vez alcançado está completo e ponha termo ao desenvolvimento do indivíduo. Ao contrário, sua organização social fluída e elástica, se desenrolará, aumentando em complexidade e sempre buscando melhoras para que a liberdade dos indivíduos se expanda sem obstáculos.

Da mesma maneira, o anti-estatismo é um dos princípios fundamentais do comunismo anarquista. Ademais, este tem um conteúdo social e uma expressão real. O comunismo anarquista rechaça o estatismo em nome da independência social e da autogestão das classes trabalhadoras. Porém, o individualismo, sob que base rechaça o Estado? Assumindo que o rechaça! Certos teóricos do individualismo são partidários do direito a propriedade privada nas relações pessoais e econômicas, indistintivamente. Porém, aonde os princípios de propriedade privada e fortuna pessoal existam, existirá inevitavelmente uma luta de interesses econômicos e surgirá uma estrutura estatal criada pelos mais poderosos economicamente. Então, o que nos permanece do individualismo anarquista? A negação da luta de classes, a negação do princípio de organização anarquista cuja finalidade seja a sociedade livre dos trabalhadores iguais. E mais ainda, a tagarelice vazia, estimulando aos trabalhadores infelizes com sua existência, a tomar sua parte recorrendo a soluções pessoais, supostamente abertas a eles enquanto indivíduos liberados. [2]

Porém, o que há em tudo isso que se possa ser definido como anarquista? Onde estão os elementos necessários para uma síntese com o comunismo? Toda essa filosofia nada tem a ver com a teoria ou a prática anarquista e é improvável que um operário anarquista se sinta inclinado conforme essa “filosofia”.

Como temos visto, então, a análise das tarefas teóricas impostas a Síntese nos leva a um beco sem saída. E nos encontramos na mesma situação quando examinamos os aspectos práticos deste problema. Devemos, então, escolher entre duas opções.

Que as tendências nomeadas persistam como tendências independentes, em cujo caso, como vão continuar com suas atividades em uma organização comum, se o propósito desta é precisamente afinar as atividades anarquistas segundo acordos específicos?

Ou estas tendências podem perder suas características e, fundindo-se, dar origem a uma nova tendência que não será nem comunista, nem sindicalista, nem individualista... Porém, em todo caso, quais seriam suas características e posições fundamentais?

Parece-nos que a noção de Síntese se funda sobre uma completa aberração, uma coleta superficial de aspectos básicos das três tendências que os partidários da Síntese pretendem fundir em uma só.

A tendência central, a coluna vertebral do anarquismo se encontra representada pelo comunismo anarquista. O anarquismo individualista é, no melhor dos casos, só um fenômeno filosófico e literário, porém não um movimento social. E ocorre freqüentemente que os últimos, ao ver-se envolvidos em política, terminam como caprichosos burgueses (tal qual Tucker e outros individualistas). [3]

O anterior não significa, em absoluto, que estamos contra os esforços concentrados entre anarquistas de múltiplas opiniões. Ao contrário: não podemos senão saudar todo o esforço que aproximem aos anarquistas revolucionários na prática.

Todavia, esse pode ser obtido na prática, em concreto, por meio do estabelecimento de vínculos entre organizações já estabelecidas e fortes, em cujo caso, trataremos só com tarefas práticas específicas, sem requerer síntese e de fato, evitando-la. No entanto, cremos que na medida em que os anarquistas clareiam mais suas posturas básicas – a essência do comunismo libertário – mais se encontram de acordo em questões de princípios e irão erigir, sob essa base, uma organização ampla que forneça um guia nas questões sócio-políticas, assim como nas questões sindicais e gremiais.

Portanto, não vemos nenhuma classe de vínculo entre o problema organizativo e a noção de síntese. Se quiser resolver este problema, não há necessidade de ver-se arrastado por teorizações vagas e esperar delas obter resultados. A bagagem que o anarquismo tem acumulado em seus anos de existência e de luta social é mais que suficiente. Necessitamos somente tomar a devida conta disso, aplicá-la as condições e exigências da vida, para assim construir uma organização que seja referência.

Grupo de Anarquistas Russos no Estrageiro
(Comitê Editorial de Dielo Trouda)
(Dielo Trouda nº 10, março de 1926)


Notas do tradutor espanhol:
[1] Pseudônimo de Vsevolod M. Eichenbaum (1882-1945), anarquista russo de origem privilegiada. Até 1911 militou nas fileiras do Partido Social-Revolucionário russo, depois do qual se aproximou aos círculos exilados russos na França e nos EUA, onde se interessou pelo anarco-sindicalismo. Voltou a Rússia durante a revolução em 1917, onde dirigiu o periódico Golos Truda (“A Voz Operária”), primeiro em São Petersburgo, e logo em Moscou. Ao final de 1918 e começos de 1919, se muda para Ucrânia (Khárkov) onde toma parte na confederação anarquista Nabat. Durante um brevíssimo lapso de tempo, em 1919, toma parte na comissão de cultura e educação do Exército de Campesinos Insurgentes (Makhnovista). Neste período desenvolve pela primeira vez suas teorias “Síntetistas” aos quais chamou Edinyi Anarjizm (Anarquismo Único), em alguns artigos do periódico Nabat. Os primeiros a criticá-las foram os anarco-sindicalistas russos. Logo é levado a prisão pelos bolcheviques de onde sai em direção ao exílio em Berlin em janeiro de 1922. Posteriormente chegará a França, onde terá grandes discrepâncias com o Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro, sobre as causas da derrota dos libertários na Revolução Russa de 1917-1921, sobre as lições a extrair dessa experiência e sobre o problema da organização revolucionária anarquista. Este artigo é parte do debate entre “plataformistas” e “sintetistas” a respeito do problema da organização.
[2] Refere-se às escolas anarquistas individualistas que trocam o ideal de emancipação social por um código de comportamento ético, por um estilo de vida, que vai desde o rechaço individual de todo código de comportamento considerado “burguês” até o ilegalismo, ou seja, a teoria de transformar a atividade delinqüente comum em uma atividade de emancipação individual. Seu principal órgão de difusão foi o periódico L'Anarchie, de París (1905-1914), e os principais animadores do ilegalismo foram Albert Libertad, Mauricius, Emile Armand e Le Rétif (Victor Serge). Estas teorias conduziram a um desastre político, organizativo e humano para o anarquismo francês anterior a Primeira Guerra Mundial, graças ao qual um sem número de delinqüentes comuns encontrou um “álibi político” para as mais execráveis ações anti-sociais (já que em seu rechaço a luta de classes e a aceitação do indivíduo como o único ponto de referência teórica, dava ao mesmo setor social de que provinham as vítimas). As ações dos ilegalistas nada tem a ver com as justas ações de expropriação dos Alexander Jacob, dos Arcángel Roscigna, de um Buenaventura Durruti ou de um Vittorio Pinni, que se dedicaram a financiar o movimento operário e anarquista com ações de expropriação a Bancos e importantes capitalistas. Os ilegalistas só perseguiam o bem estar pessoal, individual, egoísticamente, sem pensar as conseqüências de suas atividades. Suas ações de expropriação só beneficiavam a eles, e muitas vezes, prejudicavam os demais.
[3] Menção a Bejamin Tucker, individualista “anarquista” estadunidense do final do século XIX, fundador do periódico Liberty. Suas doutrinas têm mais relação com uma versão radical do liberalismo burguês que com o anarquismo revolucionário, popular e classista. Inclusive, levando seu liberalismo radical ao seu extremo lógico, chega a dizer, em seus escritos, que os capitalistas tinham o direito de recorrer ao Estado para reprimir as greves operárias, em defesa de seus interesses “individuais”. Flor de “anarquia”! Nele se podem encontrar as raízes do “anarco”-capitalismo, nome político do neoliberalismo radical, formulado na Escola de Chicago. É um bom exemplo dessa classe de gente que, sem ter nada em comum com o anarquismo, chegou a dizer-se “anarquista”, e por este simples fato, foram considerados dentro da “família” pelos Sintetistas. Foi esta classe de excessos que criticaram mais duramente os companheiros do Grupo de Anarquistas Russos no Estrangeiro, em seu rechaço a denominação fácil e indiscriminada, vazia de conteúdo e muitas vezes abusiva, do termo “anarquista”.

Traducido por Jose Antonio Gutierrez Danton
Traduzido do espanhol para o português por LMF

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

[ORL] I Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais

Em dezembro irá ocorrer em Fortaleza (CE) um evento para discutir o anarquismo e sua inserção nas lutas sociais, organizado pela ORL. Abaixo segue a apresentação do encontro por parte dos anfitriões. Para conferir a programação e ter maiores informações: http://encontrolibertario.blogspot.com

I ENCONTRO LIBERTÁRIO:
ANARQUISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS


De 08 a 11 de dezembro, nós da Organização Resistência Libertária (ORL) estaremos realizando em Fortaleza o I Encontro Libertário: Anarquismo e Movimentos Sociais. O Encontro contará com a participação de militantes de organizações políticas anarquistas de várias cidades do país, militantes de movimentos sociais, pesquisadores e simpatizantes. Com esta iniciativa pretendemos criar um espaço para a troca de experiências e metodologias entre aqueles que atuam no sentido da construção de idéias e formas concretas de luta anticapitalista numa perspectiva libertária.

Serão quatro dias de oficinas, debates, discussões, palestras, exposições, atividades culturais e encontros informais em torno de temas como anarquismo social, educação libertária, mídias independentes, movimentos semteto e luta pela moradia, ecologia social, movimento estudantil, organização libertária, resistência étnica, luta anticapitalista, etc.

Acreditamos que a luta anticapitalista só pode avançar de forma conseqüente e duradoura se assumir radicalidade e dimensões sociais cada vez mais amplas. Neste sentido, pensamos que o anarquismo deve colocar-se como um elemento inserido e a serviço das lutas sociais, estimulando a autonomia, a ação direta, a combatividade e a democracia direta. Esta inserção não deve buscar de forma alguma dirigir ou submeter as lutas a interesses particulares, mas contribuir para que ultrapassem as reivindicações imediatas e assumam um caráter libertário, revolucionário e de superação da sociedade capitalista.

Convidamos a todos e todas a participarem desse momento de encontro e conhecimento coletivo, e que possamos somar esforços e seguir dando passos mais longos e mais firmes no sentido de pensar e construir concretamente experiências de organização e de luta que se coloquem numa perspectiva libertária e anticapitalista.

Os grandes só são grandes porque estamos de joelhos. Levantemo-nos!

Organização Resistência Libertária

[CDA] Quilombo dos Palmares: memória e luta ideológica


CICLO DE DEBATES ANARQUISTA
-25/11 às 17:30h - Bloco 13/Ufal-
Tema: O significado de Palmares hoje: memória e luta ideológica

domingo, 12 de outubro de 2008

[CDA - Out/08] Mov. Populares Urbanos


CICLO DE DEBATES ANARQUISTA
-14/10 às 17:30h - João de Deus/Ufal-
Tema: Movimentos Populares Urbanos

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

[FAG] Na Bolívia se joga o futuro da América Latina

Solidariedade ao povo boliviano! Na Bolívia se joga o futuro da América Latina!

Os acontecimentos que se sucedem em Bolívia deixam aos anarquistas organizados na FAG em sentido de alerta. O problema não é a defesa de um governo com perfil nacionalista e raízes indígenas.. O tema em pauta é a defesa incondicional da luta popular dos povos latino-americanos. Viemos acompanhando e tendo contatos orgânicos com os companheiros bolivianos desde o verão de 2003, portanto, antes da vitória popular na Guerra do Gás, antes da derrubada de Gonzalo Sanchez de Losada, antes da derrubada do presidente que o sucedeu Carlos Mesa e muito antes da vitória eleitoral do MAS.

Desde aquele ano ficou nítido para a FAG que na Bolívia o jogo político era duro sem limites legais ou institucionais. A luta para a construção do Poder Popular tem várias vertentes, e no momento, o governo de Evo Morales e Álvaro Garcia Linera expressa parte da vontade popular em retomar a soberania definitiva sobre seu território ancestral. Evo não faz o que quer e nem governa com os banqueiros, como faz o ex-metalúrgico Lula. Hoje o país que derrotou o neoliberalismo dezenas de vezes se vê diante de seu maior desafio. O conjunto de povos e nacionalidades ancestrais do antigo vice-reinado do Alto Peru, as sociedades tradicionais quéchuas, aymaras, guaranis, tupis e dezenas de outras etnias, os descendentes vivos na mestiçagem das cidades, as heróicas resistências mineiras, cocaleras, de El Alto, de Cochabamba, o combate de rua em La Paz esquina por esquina derrotaram o inimigo diversas vezes. Este povo fez da organização do tecido social, da prática de justiça comunal e alianças de base o baluarte da derrota de um sistema de partidos políticos podres, corrompido com as experiências privatizadores dos anos '80; com pedras e dinamites venceu nas ruas o Exército que operou sob o comando do general traficante Hugo Banzer; no avanço da prática cooperativista contesta a presença nefasta de transnacionais do petróleo e derivados, incluindo a odiosa presença subimperialista brasileira no país hermano.

Agora a luta é intestina e defronta a oligarquia da chamada Meia Luna, dominante nos departamento de Tarija, Beni, Pando, Chuquisaca e comandado pelos latifundiários da soja e narcotraficantes de Santa Cruz contra os interesses do povo. O governo de Morales é um alvo, mas a meta dessa gente é a destruição da organização popular e das alternativas indigenistas, das formas tradicionais e comunitárias de controle da vida social, da re apropriação popular do subsolo e das riquezas naturais. A dita luta por autonomia nada mais é do que a vontade política de uma oligarquia aliada das transnacionais, de um intento de golpe patrocinado pelo Departamento de Estado, CIA e DEA e financiado com o dinheiro roubado do povo boliviano. As multidões de homens e mulheres que lutam por "autonomia" são, em sua grande maioria, empregados, afiliados políticos e cabos eleitorais destes oligarcas.

A situação de desobediência civil e não governo é enorme na Bolívia. Por esquerda, os protestos sociais são cada vez mais duros e as metas de reivindicações obrigam a Morales a fazer o que a maioria do povo organizado propõe. Mas, por direita, a oligarquia que também saiu vitoriosa no referendo revocatório dos governos nacional e departamentais, joga todas as suas forças no caos, no locaute e no bloqueio econômico. Eles não querem pagar impostos para o governo de La Paz, querem se apropriar das riquezas nacionais para si, da mesma forma que os bancos sugam nosso PIB e que a burocracia escualida chupava o sangue da Pedevesa venezuelana até a vitória do povo em abril de 2002. Companheiras e companheiros, na Bolívia hoje se luta uma batalha contra a oligarquia, batalha esta que faz parte da guerra do povo latino-americano contra os grilhões do imperialismo sob o manto macabro da globalização.

Temos algo a aclarar. É preciso expressar que a FAG como organização não se filia na defesa de nenhum governo de tipo estatal ou burguês. Nosso apoio, desde há muito é para com o processo levado a cabo pelos povos que reivindicam a herança bolivariana e artiguista, é ao lado da vontade política das instituições sociais e entidades de base que peleiam arduamente contra a burocracia crescente na Venezuela e as vacilações típicas de dirigentes com carisma, mas sem a organicidade e a devida obediência ao povo como fazem os verdadeiros militantes socialistas. Enfim, nossa luta é ao lado da Conaie equatoriana, da Anmcla venezuelana, da COR heróica de El Alto e de todo o movimento popular da Bolívia.

O impasse político do governo Morales deveria ser resolvido indo além das possibilidades legais. Existe uma esquerda popular muito mais à esquerda do que o recalcitrante vice-presidente Linera e dos burocratas de sempre oscilando entre as universidades latino-americanas e os governos com vernizes nacionalistas. À esquerda do MAS está a ex-guerrilha do Movimento E.G. Pachakuti, está a Coordenação Regional de El Alto, estão as instituições sociais de tipo Justiça Comunitária, existe um enorme tecido social organizado que não vai entregar o país e a terra ancestral para os herdeiros de Cortez e Pizarro.


Outra Batalha de Ayacucho; outro Levantamento de 1809

Em 1809, a valentia e a hombridade dos jovens bolivianos não reconheceram a pretensão de Carlota Joaquina de governar os vice-reinados. Esta decisão apontou o rumo da libertação da América no coração do Continente. A resposta realista veio rápida, quando o governador de Potosí, leal ao colonialismo, ocupou militarmente as cidades rebeldes. Em 1824, na Batalha de Ayacucho, a reação sai derrotada política e militarmente. A independência política não garantiu a libertação dos povos, com Poder Popular, Autogestão e Federalismo Político. Quase 190 anos depois e vivemos o mesmo embate. No avanço do poder do povo, na transformação do Estado nacional em espaço público e sob controle direto, no desmonte dos aparatos burgueses de regulação social, a direita aparece com toda a sua cara. Hoje é na Bolívia, em 2002 foi na Venezuela, por três vezes nos últimos 11 anos o povo do Equador derrubou um presidente, em dezembro de 2001 a garra argentina derrotou o neoliberalismo e todo o seu projeto de desmonte da vida em sociedade. Hoje a guerra dos povos latino-americanos rumo à sua libertação livra a Batalha na Meia Lua boliviana.

Que a oligarquia saia derrotada!
Que a CIA-DEA-Departamento de Estado dos EUA saiam derrotados!
Que o povo boliviano ultrapasse os limites do governo nacional e avancem no rumo do Poder Popular!
Porque o neoliberalismo e o imperialismo são a mesma coisa imunda!
Porque o Poder Popular na América Latina se constrói na luta!
Toda a solidariedade ao povo Boliviano!
O futuro do país Hermano será quéchua, aymara, guarani, tupi e popular ou não será!
A América Latina nunca se rende!
Poder Popular, Autogestão Social e Federalismo Político!


Porto Alegre, 13 de setembro de 2009,

Federação Anarquista Gaúcha (FAG) – Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) – aliança estratégica com a Federação Anarquista Uruguaia (FAU).

Reflexões acerca da construção da luta social e aspectos relacionados

Reflexões acerca da construção da luta social e aspectos relacionados

No movimento social é comum nos depararmos com uma gama de situações. As lutas em que a classe se envolve tende a possuir origens diversas, sendo levadas adiante por orientações e políticas ora contraditórias, ora lógicas. Podem ser oportunistas, sectárias ou podem ter caráter construtivo, seja acertada ou não.
Quando afirmamos que a luta dos trabalhadores tem origem diversas não elimina a existência de sua origem a partir de fatores elementares. Se as lutas nascem a partir dela e seu desenvolvimento é o que permite ascender vôos mais altos, não significa a existência de uma fórmula mágica para a organização da luta.

De maneira geral, toda a militância entende que a discussão acerca de um projeto de ruptura começa no diálogo com a situação real e concreta em que se encontram os trabalhadores e oprimidos. Caberia a esta militância estabelecer os meios de fazer a ligação, a ponte entre os problemas particulares enfrentados por um determinador setor, por uma determinada localidade, com os problemas mais gerais da humanidade. Enfim, entende-se que as lutas de caráter reivindicativo e defensivo só têm sentido quando pensadas e trabalhadas a partir de uma perspectiva estratégica de luta de caráter revolucionário.

Pode-se definir por lutar por moradia, por melhores salários e condições de trabalho, luta por educação, cultura e saúde, enquanto pautas reivindicativas. E dentro de cada luta dessas, uma série de outras “lutas menores” podem ser destacadas a depender da conjuntura e das circunstâncias. Sendo várias as possibilidades, será também variada as orientações e políticas possíveis, e o são especialmente porque a realidade é vasta e complexa.

Naturalmente, a própria determinação de uma política a ser levada pela militância em determinado espaço encontra-se em sintonia com a teoria e a ideologia que orienta a ação militante. Mas, se isso for possível, nos permitam fazer abstração dessa questão e tratar a organização e luta nos movimentos sociais sem discutir se tal teoria ou qual ideologia tende ou não ao oportunismo. Mesmo porque não existem teorias e ideologias “puras”, todas elas ao se enfrentarem e se relacionarem junto a situações históricas e concretas, determinam-se de alguma maneira (o que também não significa a existência de fronteiras definidas entre elas).

É certo que toda a discussão aqui realizada também encontra subsídio na perspectiva teórico-ideológica compartilhada por quem escreve, no caso, o anarquismo. Mas não seria discorrendo sobre os fundamentos teóricos e ideológicos do anarquismo, do marxismo, do trotskismo ou outro qualquer, o melhor caminho para refletir práticas e posturas no seio das lutas sociais. Não é simplesmente assumindo determinados conceitos e instrumentos de análise que nos livra de cair no oportunismo, por mais que a filiação ideológica possa dizer muito a respeito, especialmente tomando a sua trajetória histórica.

O enfoque centra-se mais pensando a ação de organizações políticas e partidos políticos ou então de grupos organizados por tendência ou categoria que atuem em um movimento social mais amplo (sindical, estudantil, etc). No entanto, não será enumerando e elegendo partidos e organizações como oportunistas, sectárias ou outra coisa, que iremos fazer o debate. Aliás, quem gosta de fazer isso são os próprios. Não há dúvidas que a cada linha escrita sobre uma determinada prática política vem à cabeça referências. Poderia até citá-las, mas nossa opção em não fazer é para não correr o risco de fugir de nosso objetivo e ao final do texto ficar só a polêmica, sem acréscimo na discussão.

Portanto, discutiremos, sobretudo, voltado as práticas políticas, problematizando situações e soluções tiradas delas, pois é justo lá onde uma política oportunista/sectária se manifestava vivamente. E são as práticas políticas, não as teorias, que se disseminam mais rapidamente nos espaços de luta, influenciando e penetrando, inclusive, entre aqueles que a princípio a repudiam ou não comungavam. Quanto a teoria, no contexto esta vira apenas instrumento de reprodução ideológica de práticas viciadas, que beiram a naturalização de valores e posturas do fazer político por um lado e o dogmatismo pelo outro lado, mais teórico.


Um pouco sobre oportunismo e sectarismo

Precisamos de uma definição de o que seria uma política oportunista e sectária. Da maneira mais simples, uma política oportunista é aquela orientada, de tal modo, em que seu centro ao invés de estar direcionado para o encontro de saídas e soluções para o conjunto do movimento social, para problematizar junto a ele, antes disso concentra-se na oportunidade de tirar proveito próprio da situação.

Mas o oportunismo tem um irmão ou um fiel amigo: o sectarismo. Podemos diferenciá-los, mas o sectário há de ser também oportunista, como o oportunista também será sectário. José Guitiérrez apresenta aspectos do perfil de um sectário que, entre outras coisas, “se caracteriza pelo “estrabismo político”, isto é, por sua incapacidade de reconhecer o inimigo político ou de classe” e “carece de honestidade e sentido crítico para debater, e se limita a denunciar e a cair em diálogos de surdos”.

Vejamos que é preciso distinguir entre pensar o desenvolvimento de um grupo (ou organização) do oportunismo e sectarismo. É perfeitamente legitimo que qualquer organização venha a desejar crescer e ganhar espaço, em termos de influência e determinação nos rumos do movimento em geral. Se assim não fosse, não haveria razão em se defender uma determinada idéia, nem em se organizar enquanto grupo distinto para poder intervir com mais força junto aos movimentos. É perfeitamente legitimo que se organize e exponha suas idéias.

Além disso, é completamente impensável um movimento social sem que não exista a presença de minorias em seu interior organizadas de maneira própria, sejam elas uma organização política, um grupo estudantil ou uma tendência sindical. Faz parte da realidade, vasta e complexa.

Visto isso, podemos indagar se a linha entre a legitimidade de construção de um grupo ou organização/partido e o oportunismo/sectarismo, não é tênue. Respondemos que sim. O limite que os separa é estreito e as situações com a qual nos deparamos nos movimentos sociais, com a presença de diversos agentes (aqui tanto de esquerda quanto de direita, através de diversas tendências e meios) atuando e disputando “corações e mentes” são, em não poucas as ocasiões, o convite ao desvio do caminho das lutas, enveredando em soluções oportunistas e sectárias. Ninguém pode se considerar imune, mas há “formas e formas” de se fazer política, as quais podem inibir tal prática ou ser a própria detonadora.


Dois aspectos das lutas sociais: “movimentismo” e “ideologismo”

Vejamos dois aspectos muito presentes na construção das lutas sociais, os quais vamos denominar de “movimentismo” e “ideologismo”.

Entendemos por movimentismo aquelas posturas e discursos em que coloca a base do movimento social acima do bem e do mal, como se tudo o que a base faz ou decide está certo e aquela também em que parte do princípio de que só é legitimo discutir determinado assunto se toda a base social discutir, só é legitimo tomar uma decisão se toda a base social tomar parte nela.

Ideologismo seria a ideologização do movimento social. Ora, se entendemos o movimento social enquanto um movimento dos trabalhadores, de desempregados, de sem-tetos, de juventude, etc, é porque eles abarcam o conjunto daqueles indivíduos que estão sob uma mesma condição social. É evidente que isso não implica na ausência de tomada de uma posição classista e combativa, mas a ideologia é a da classe trabalhadora, e não a ideologia de expressões organizadas dela. É a isso que nos referimos quando falamos de “ideologização” do movimento.

O que essas dois aspectos tem a ver com a discussão? Na verdade, nem um nem outro são intrinsecamente oportunistas ou sectários. O primeiro muito próximo de posições espontaneístas é muitas vezes propagado nas melhores das intenções, de querer construir um movimento de base, o que é correto. O segundo tem mais a ver com uma concepção mais assumidamente “partidazirada” do movimento, mas também há aqueles que nas melhores das intenções acreditam que a radicalidade dos movimentos se mede simplesmente pelas posições e bandeiras que são “ganhas” nas disputas internas a cada congresso ou encontro, por exemplo. É como se os grandes dilemas da classe trabalhadora fosse apenas um problema de resolução congressual, e não da organização e empoderamento da própria classe. Uma prática política oportunista tem espaço nesses dois aspectos, mesmo que de maneira diferenciada.

Muitos partidos se utilizam de um discurso “basista” para confundir e esconder sua política real, que ao final das contas é de cúpula e de acordatas. Um dos recursos é sempre querer se pautar pela “consciência” do movimento para justificar ao fim das contas o travamento de discussões e o avanço de pautas que podem comprometê-los em seu projeto particular. Muitas vezes, militantes e pessoas que carregam uma compreensível aversão as organizações políticas, em especial os partidos tradicionais, quando carecem de uma maior organização entre si e clareza do ambiente político ao qual está inserido, são levados pelos “habilidosos” (aqui sinônimo de canalhice) quadros destes partidos. Nos movimentos estudantis, tal situação talvez seja melhor vista.

Na ideologização estão os que fazem das lutas pontuais, imediatas e necessárias, de cada movimento social um mero detalhe que tem como finalidade primeira e última, ou seja, sempre, a exposição do “programa” do seu partido. Programa entre aspas porque no final das contas, também não passa de um mero conjunto de coisas genéricas e abstratas, tendo pouco caso de um conhecimento mais amplo da realidade inserida e da conjuntura e etapa histórica.

Tende também a ser uma posição que faz tábua rasa para a diferenciação entre o que chamamos de “nível político-ideológico” e “nível social”, e que está em relação direta com concepções de partido único e auto-proclamado, tal como uma ideologia estatista-autoritária a por o movimento como elemento, cedo ou tarde, a ser subordinado pelo partido. Tratando o que existe de mais concreto nas lutas sociais quase que como uma “desculpa” para colocar as questões que seriam mais gerais, “mais importantes”, termina-se por tratar as lutas e organização própria, de base, sem considerar sua profundidade e particularidades (tanto no que confere a potencialidade quanto a fragilidade).

Esses procedimentos, enquanto método de prática militante, podem favorecer a auto-construção do partido, de uma corrente, mas certamente fragiliza a auto-construção do movimento enquanto movimento. Este precisa ser desenvolvido no sentido de ganhar corpo, pensar e agir pela sua própria base. Em suma: protagonismo de classe.


A dinâmica da luta fratricida entre frações contra a luta de classes

Chegamos ao “xis” da questão, pois dizer que “a esquerda só se une na cadeia” nunca foi mentira. Como também não passam de mentira os apelos por unidade quando estes são meros arranjos políticos, conveniência ou acordos por cima, sempre à margem de uma realização de lutas concretas e com protagonismo de classe. Ou muda a lógica e o método, ou continua-se a mitificar a luta de classes e a realizar a mera luta entre frações (grupos, organizações, partidos, tendências, etc).

Um movimento que não pensa enquanto movimento. Do que assume discurso movimentista na intenção de isolar uma organização ou enfraquecer uma posição política, aos que se afirmam como revolucionários pelo berro e pelas “denúncias”, todos se orientam na lógica de eliminar o oponente, o inimigo. E este não é a burguesia e o Estado, mas em não raros momentos a organização, partido ou grupo que poderia estar ao lado, e talvez por isso, pode “roubar” militantes ou uma entidade. Pauta-se pela disputa de espaços e posições na lógica de “derrubar o tapete” dos “rivais”. O método pode ir da dissimulação à calúnia, passando pelos denuncismos torpes.

Não estamos eliminando a existência de disputas entre agentes políticos no interior de um determinando campo de luta, onde as posições em que cada um assume os levam a embates necessários e inevitáveis. O que ressaltamos é que a tradição da esquerda a faz estar mais preocupada com os passos dos grupos rivais, do que em entender os passos do inimigo de classe e seus efeitos para o conjunto do movimento. Isso é um problema grave.

O resultado disto é um movimento fragilizado e a mercê de dirigentes e iluminados, de decisões que passam a margem de seu cotidiano, escapam de suas mãos, calam sua voz. Certamente são com estes cenários perfeitos que se sedimentam burocracias. Pode ser contra ou não aos governantes de plantão, ser contra os desmandos do FMI ou a favor de privatizações, não importa. Burocracia vai na contra-mão de qualquer perspectiva de construção a longo prazo de um povo organizado, forte e decidido, criativo e contestador.



Mais importa o método e as concepções do que as fraseologias e as cúpulas:
estão nos meios a materialização dos fins


Construir uma luta transformadora requer a construção e disputa de conceitos, práticas e valores, que dêem concretude e ânimo as luta populares. A naturalização de práticas, a carência de auto-crítica e a predisposição em aceitar verdades sem pô-las constantemente à prova, são aspectos que infelizmente estão presentes ao longo da trajetória da esquerda como um todo.

Na militância, a forma e o método são elementos de primeira ordem. Rejeitar a construção política vista de cima, como método e concepção de luta, deve ser no sentido de também apreender à ética como valor e prática de outra forma de fazer política. Ética, pois estão nos meios a materialização dos fins. A política dos debaixo em nada deve lembrar a dos de cima. A política dos dominadores, em termos ideológicos, sempre foi na base de caluniar e confundir, de dissociar o discurso da prática, de fazer da forma uma camuflagem do conteúdo.

Na luta popular a construção dos sujeitos não pode ser substituída pela luta do ponto de vista da “grande política”. Isto que chamamos de “grande política”, por falta de termo melhor, é a política das alianças das grandes estruturas partidárias, das meras disputas de aparatos sindicais. A construção política sob este ponto de vista pode produzir efeitos mais imediatos, mas não nos interessa a pirotecnia e os holofotes enquanto recurso político. O que queremos é transformar radicalmente a sociedade, e por isso devemos optar por meios, métodos e formas políticas diferentes daquelas que nos dominam.

Nisto, o cumprimento das demandas mais concretas também é primordial e não é feito a qualquer modo. Não abrange só o lado mais estritamente material, da urgência a terra, trabalho, moradia, educação ou saúde. Considere-se também a luta política-ideológica no empoderamento, na construção de confiança e reconhecimento enquanto sujeito que faz história, desenvolvendo a intransigência na defesa dos interesses dos oprimidos. Considere-se a experiência da construção diária das lutas gerando solidariedade e democracia de base, que atua na negativa a divisão formal ou não entre “teóricos” e “tarefeiros”, entre os que “pensam” e os que “executam”, pondo a prova conceitos e práticas viciadas e naturalizadas. Tais elementos são fermentos indispensáveis para que possamos construir um projeto de Poder Popular, que vem desde baixo. É preciso transformar, e não reproduzir o de sempre.

Errico Magón, BRA-09-08.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

[CDA] Eleições Municipais


CICLO DE DEBATES ANARQUISTA
-17/09 às 17:30h - Bloco 13/Ufal-
Tema: Eleições Municipais - Lutar e Vencer, fora das urnas! Com Ação Direta Popular!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

[Jornal] SOCIALISMO LIBERTÁRIO 18


Nesta edição:

Pág. 02
Mural Libertário
Uruguai: 25 anos de luta da Coluna Cerro-La Teja
Pintando e lutando com muralismo
Rádio ELAOPA: Onde cresce o poder popular dos latino-americanos

Pág. 03
Editorial
Nada novo na democracia representativa. Só a luta popular decide!
Clássicos
Rojo y Negro – n° 02 – dezembro de 1968 – Uruguai

Pág. 04
Situação Nacional
Campo e cidade: um balanço libertário da jornada de lutas do mês de junho

Pág. 05
Situação Nacional
Só a luta popular decide pra valer

Pág. 06
Regionais
Os partidos da democracia burguesa vão às eleições
Os cenários em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Maceió, Salvador e Feira de Santana

Pág. 07
Internacional
A farsa da alta real dos combustíveis e dos alimentos
Mentiras midiáticas para ação imperial

Pág. 08
Teoria e História
A estratégia libertária e a negação da democracia burguesa


Em Maceió, o jornal pode ser encontrado nas bancas Palmares e a da Pç Monte Pio, ambas no Centro.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Ciclo de Debates Anarquista


CICLO DE DEBATES ANARQUISTA
-14/08 às 17:30h - Bloco 13/Ufal-
Tema: Regime democrático e repressão

sexta-feira, 11 de julho de 2008

[FAO] Rusga Libertária

Acessem o novo blog da Ruga Libertária, grupo do FAO em MT.

http://rusgalibertariafao.blogspot.com/

quinta-feira, 5 de junho de 2008

[Ciclo de Debates Anarquista] Alagoas


CICLO DE DEBATES ANARQUISTA
Tema: Alagoas - sangue e suor... mas cadê as barricadas?
Data: 11/06 às 17:30
Local: Bloco 13/Ufal

quinta-feira, 15 de maio de 2008

[CAZP] Declaração de Princípios

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS

Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

Abril, 2008

-I-

Seção teórico-ideológica

a. Uma histórica luta entre oprimidos e opressores

A história da humanidade sempre foi a história de sua luta pela vida. É sob esta base real e primária da vida que a humanidade tal como conhecemos, se constituiu, desenvolvendo inclusive, a ciência e as artes. No entanto, essa luta sempre tomou formas diferentes ao longo de sua história e entendemos, tal como entendeu Nestor Makhno e seus camaradas, que “não há uma humanidade e sim uma humanidade de classes”.

A organização social da vida é um processo histórico especialmente fundamentado a partir da relação que homens e mulheres estabelecem com esta base primeira, a luta pela vida, tal como entre si. Um processo histórico, pois não se dá de maneira repentina, nem mesmo sem que carregue consigo marcas e acúmulo desta caminhada. Deste processo, determinam-se as formas de organização e reprodução da vida social em seus amplos aspectos (econômicos, políticos, culturais). E é a partir da análise deste processo que podemos identificar uma histórica luta entre oprimidos e opressores, dois pólos de luta que se enfrentam em diversos cenários do palco da história, um ansiando pela libertação e outro pela dominação e exploração.

Mas, se o exame da história da humanidade nos leva a constatar uma predominante presença de exploração e dominação entre homens e mulheres, como pensar ser possível pôr fim a elas? Enfatizava Bakunin que na vida humana não existem fatos consumados, sem que não sejam eles próprios, produtos da vida natural a qual também estamos inseridos, tal como as necessidades fisiológicas vitais, ou produtos da vida histórico-social. A primeira questão está aquém de nossas vontades sendo a “revolta” contra elas tão inútil quanto absurda. Mas aquilo que é produto da vida histórico-social não o é sem que não possa ser transformado radicalmente.

Nesse campo da vida, naquilo que é produto histórico-social, está localizado a exploração do trabalho humano e a dominação entre seus semelhantes. Aqui a revolta não só é possível, como sempre foi presente. Se a história da humanidade tem se apresentado como uma história atormentada, fruto de uma luta, a princípio entre iguais, mas que se constituem em posições antagônicas de interesses distintos, gerando exploração e dominação de uma maioria por uma minoria, não tem sido sem que não exista resistência e revolta.

Em razão disto, fazemos nossa opção pelos oprimidos contra os opressores, e constatamos a necessidade de opor a força e a violência dos opressores, com a força e a violência dos oprimidos em favor de fazer da história da humanidade não mais um tormento, mas o lugar em que esta realize a plenitude de suas potencialidades. A condição para isto é o objetivo histórico dos oprimidos: o fim da exploração e dominação na humanidade. Só a partir daí que podemos, agora sim, falar de uma única humanidade, a viver em solidariedade e a coincidir os interesses gerais com os particulares.

Mas há de se perguntar: por que até hoje isso não se realizou? A busca dessa resposta é, antes de tudo, a afirmação do já exposto. Estamos falando de um processo histórico, onde as condições materiais, as limitações e desenvolvimentos do conhecimento humano sobre si e sobre o mundo natural e social que o rodeia, as ideologias sedimentadas, tal como a intervenção de diversos agentes sociais e políticos, atuam na determinação desse processo.

Dos tempos em que basicamente se vivia em pequenos grupos, da pesca e da caça, de uma agricultura rudimentar, de esferas de organização e normatização da sociedade simples e sem maiores mecanismos de coesão social além da tradição e da força, para a sociedade burguesa de hoje, presente e influente em cada canto do mundo, de elevados padrões produtivos, tecnológicos e de uma complexa organização político-jurídica, ideológica e militar, daqueles tempos aos de hoje, o sangue dos que se rebelaram contra os que lhe oprimiam não foi em vão e nos inspiram.

Ensinou Bakunin que olhar e estudar o passado não pode ter outro sentido senão “para constar o que fomos e o que não devemos mais ser, o que acreditamos e pensamos, e o que não devemos mais acreditar nem pensar, o que fizemos e o que nunca mais deveremos fazer”. Trata-se de encarar a história não só como um legado, mas também como um aprendizado. O maior deles é que, da mesma maneira em que a maioria da humanidade não está fadada a viver eternamente sob o manto da ignorância, exploração e opressão, pois isso não é algo natural ou fora do domínio humano, é preciso encarar que o socialismo é uma possibilidade, não uma fatalidade.

Deste aprendizado acumulado da luta histórica entre oprimidos e opressores, enquanto militantes que assumem como compromisso a causa da emancipação social, extraímos práticas e análises no proveito do objetivo histórico dos oprimidos. Objetivo histórico, pois estes são os que com seu sangue e suor construíram e constroem a riqueza da humanidade. E no sentido deste horizonte de liberdade, inspiram o que de melhor se produz na ciência social e nas artes.

Trazemos conosco, enquanto espírito de rebeldia, a resistência ainda presente dos povos originários da América Latina e dos quilombolas, tal como dos combatentes contemporâneos da liberdade, operários e camponeses pobres, trabalhadores e oprimidos presentes em vilas e periferias, no batente e na enxada, lutando por terra, trabalho, moradia, saúde e educação. Nos oprimidos colocamos todas as nossas apostas e nossa luta deve ser para que a humanidade possa reverter o seu sentido histórico, e passe a caminhar no sentido da liberdade e da igualdade.

b. Os inimigos de sempre e os mecanismos de hoje

Os nossos inimigos nem sempre se apresentaram da mesma forma, nem mesmo se utilizaram dos mesmos mecanismos, ou então, poderíamos dizer que se utilizaram de um mesmo mecanismo primário de exploração do trabalho e de dominação sob variadas maneiras. São nossos inimigos – e assim os identificamos ao longo dos tempos, mesmo que sob nomes e formas diferentes – porque promoveram a exploração, a opressão e delas, tiraram proveito.

Os nossos inimigos já se chamaram de aristocratas, de nobres, de senhores, entre outros. Seu sistema de dominação já foi denominado como feudalismo, regime escravista, entre outras variantes exploradoras. Os inimigos de hoje atendem pelo nome de burguesia e o sistema por ela organizado, capitalismo. Seus mecanismos, em constante operação e cada vez mais articulados com uma rede de meios e instrumentos de dominação, são identificados no Capital e no Estado. É a exploração econômica e a dominação sócio-política que se fundem e se configuram para benefício de uma minoria.

O Estado e o Capital: o poder que vem dos ricos e para os ricos

“O que são a propriedade e o capital em sua forma contemporânea? Para o capitalista e o proprietário, significa o poder e o direito, garantidos pelo Estado, de viver sem trabalhar. E posto que nem a propriedade, nem o capital nada produzem sem estarem fertilizados pelo trabalho, isto significa poder e direito para viver explorando o trabalho de outro. Direito a explorar o trabalho de quem não tem nem propriedade nem capital e, portanto, se encontram forçados a vender sua força produtiva aos afortunados proprietários” (Bakunin)

O sistema capitalista é fundado sob a base de um regime de propriedade privada dos meios de produção (terra, instrumentos de trabalho, etc). Segundo a ideologia que o sustenta, os trabalhadores são livres. No entanto, pensamos com Bakunin que “o direito à liberdade, sem os meios para realizá-la, é apenas uma quimera”. Os trabalhadores, roubados dos meios concretos para que possam garantir sua sobrevivência, se veêm obrigados a vender sua força de trabalho para a classe dominante. Esta é a condição e o fermento para a manutenção de um sistema que garante a apropriação de lucros à burguesia e que divide seus prejuízos com os trabalhadores, que pagam ainda a conta mais alta. Para esta operação os capitalistas sempre encontraram no Estado o apoio político-militar e também financeiro, necessário para prosseguir com seus projetos.

As formas de acumulação de riqueza e exploração do trabalho de outrora e as do capitalismo do século XXI, mudaram bastante, atravessando vários períodos e fases: já foi mercantilista, colonialista, passando a monopolista e atualmente imperialista e ultra-monopolista. Mas a sua orientação – ou seja, também na gênese do capitalismo – permaneceu sempre a mesma. A centralização econômica e política caracteriza o seu modelo e estrutura a sociedade. No decorrer desse processo que concentra riqueza e distribui miséria, um complexo sistema de dominação evoluiu, tanto em seus meios materiais e repressivos, quanto científicos e ideológicos.

Ocorre que a ligação existente entre as esferas econômicas e políticas são estreitas e difíceis de delimitar território. Por isso, quem controla os meios de produção, as coisas, exerce controle também sob os indivíduos. O Estado vai atuar não somente como elemento de contenção entre Capital e Trabalho – ou, entre a burguesia e os trabalhadores – mas também como um agente econômico ativo importante, que organiza e administra sob o leme da classe a qual representa: a burguesia e suas variadas frações. A centralização é a tendência inevitável a se realizar pelo Capital e pelo Estado. É por isso, que no desenvolvimento da dominação burguesa, a concentração de empresas ou grupos empresariais, banqueiros etc., vem junto com o próprio estreitamento dos mecanismos decisórios.

Na mesma medida em que nos deparamos com uma realidade mundial de concentração de riqueza em poucos países, no Brasil também presenciamos uma exorbitante concentração desta na região Sudeste/Sul do país, em especial São Paulo. Os recursos a serem destinados e a organizar e financiar essas disparidades têm na centralização dos poderes a sua realização e reprodução. Por isso, identificamos no Estado e no Capital o poder que vem dos ricos e para os ricos.

A política e a ideologia burguesa: dominar e fragmentar

Clássicos do anarquismo, como Bakunin e Malatesta, afirmavam que a situação econômica era a situação real. Por isso, as formalidades jurídicas viram ficção, pois o trabalhador não está em iguais condições que o seu patrão. Isso se reflete no limitado acesso à educação, cultura e saúde. Assim como, uma dominação ideológica, potencializada por diversos instrumentos utilizados, desde a educação formal, a cultura propagada ou apropriada pela elite, passando pela grande mídia.

Essas leis sendo ficções, o cumprimento delas tende a ser executado somente no benefício das elites, que as elaboram e sancionam. As conquistas que são transcritas na forma de lei, foram resultados de mobilizações e lutas para tal, assim, o respeito a elas não é a lei sozinha que a faz, e sim, a permanência da luta e a construção ideológica que coíbe práticas contrárias.

Um dos mecanismos que mais põe às claras a política e a ideologia burguesa está nas eleições para os cargos do poder executivo e legislativo do Estado. O chamado sufrágio universal (as eleições parlamentares) ainda que seja contemporâneo à ascensão da burguesia à classe dominante, a partir de meados do século XVI, nem sempre foi o escolhido por ela. A presença de ditaduras e golpes sempre marcou a dominação burguesa, percorrendo desde a França de Bonaparte às ditaduras latino-americanas por volta da década de 70 do século passado. Daí, associar liberalismo com Estado democrático pode virar um grande engodo.

O chamado regime democrático, em tese, garante a liberdade de organização e imprensa, possibilita uma elevação à vida pública o que permite maior tranquilidade na organização e mobilização dos trabalhadores. Assim, ele é certamente preferível a um regime ditatorial. No entanto, não faz parte de nossa teoria semear enquanto política dos trabalhadores a política que é na verdade burguesa, ancorada naquilo que os anarquistas tradicionalmente classificaram como a “ilusão do sufrágio universal”, sempre se opondo a cair no jogo parlamentar.

Cabe o exemplo de Proudhon, que chegou a assumir cadeira legislativa na França (1848), mas constatou que nesta condição, estava cada vez mais distante do povo e do que acontecia nas ruas. Desde então, lutas foram travadas e como orientação ideológica determinou-se a centralização dos esforços e energias na mobilização direta dos trabalhadores, a partir dos seus próprios espaços (trabalho, moradia, etc.).

O que está no centro da discussão é a construção de uma política própria dos trabalhadores, que está diretamente vinculada à percepção e confiança em sua força, na construção de sujeitos históricos ativos, conscientes e convictos do seu papel. Confiança esta, que só pode ser ganha a partir do momento em que estes trabalhadores não só lutam, mas também decidem, exercem protagonismo. E o Estado só pode, e assim sempre o fez, mesmo quando dirigido por ex-trabalhadores – que ao mudarem de posição, mudam de perspectiva – continuar a representar os interesses da burguesia, no sentido de confundir, dispersar e fragmentar a força dos trabalhadores.

Desse modo, a política e a ideologia burguesa, seja sob qual manto busque refúgio (ditadura ou democracia), tem como objetivo dispersar a força do povo, que a tem justamente por ser povo, por não viver de parasitismo. A burguesia usa também da dominação para fragmentar, seja quando é feito a base do cassetete e pau de arara, seja quando articula sob um verniz de legalidade. E quando foi preciso, ela nunca pestanejou em romper com esta legalidade. Portanto, não há fim da exploração econômica, sem o fim da dominação político-ideológica.

Concluímos assim, que, se queremos construir outra sociedade, onde não existam mais classes sociais, pois todos contribuiriam na construção da riqueza da sociedade e desfrutariam dela em igual medida, entendemos que esta mudança não é mecânica, nem poderia ser, pois se trata de pessoas que vibram, sentem, choram, pensam e agem numa civilização construída não somente na base da exploração, mas também produzindo uma dominação branca, machista e repressora da opção sexual. Ou seja, pessoas de diversos lugares, com suas singularidades e formas de externá-las.

Portanto, entendemos que contribuir para desencadear um processo revolucionário é dar a força do povo, ao próprio povo. Possibilitar aos trabalhadores e trabalhadoras que eles/as, em cada canto, possam ter voz e efetivamente construam seu destino, com sotaque e maneiras diferentes de construir seu poder: o Poder Popular, que nasce do povo e é exercido por ele.

c. A nossa base ideológica – o porquê do anarquismo

Diante de uma realidade de miséria e exploração, o socialismo surgiu enquanto crítica a sociedade capitalista. O anarquismo se localiza enquanto uma corrente de pensamento e tradição de luta socialista, se inserindo enquanto uma variante das idéias e práticas construídas nesse campo. Ao longo de sua história, firmou determinados preceitos ideológicos que lhe deu um estilo e traçava metas. O anarquismo surge, então, como proposta de luta (articulando preceitos político-organizativos e teórico-ideológicos) em favor do interesse histórico dos trabalhadores.

No meio socialista, foram construídas ao longo da história, incorporando experiências, suas variantes que pensam a transformação da sociedade, mas sem romper com o que chamamos de ideologia estatista. Uma delas, que tomou uma perspectiva reformista e que tende a co-existir em harmonia com a divisão da sociedade em classes, ficou historicamente conhecida como social-democracia.

A principal referência histórica social-democrata, está no período conhecido como Estado de Bem-estar Social, no pós-Segunda Guerra Mundial. Neste período, países europeus vivenciaram relativos ganhos e concessões por parte do Estado, permitindo relativa melhoria de vida da classe trabalhadora. Porém, isso só foi possível, pensando no sistema mundial que é o capitalismo, por conta de realidades de extrema miséria, como no continente africano. Tratou-se somente de uma situação passageira e localizada, incapaz de ser generalizada, além do que limitada dentro dos próprios marcos da sociedade de classes.

Outras variantes denunciam corretamente como fracassada a via social-democrata e produtora de traidores de classe, mas não se desfaz da ideologia que continua a manter como centro da estratégia revolucionária: o Estado. Mantém a este uma função organizadora sob o verniz de ser uma política proletária. Fala-se em socialização dos meios de produção, de fim da propriedade privada, mas se mantém firme quanto a uma suposta necessidade de centralização estatal, ainda que posta como transitória. Os caminhos escolhidos na Revolução Russa têm aqui o principal exemplo.

Como já dito ao longo deste documento, pensamos a transformação da sociedade, a revolução social, tratando o protagonismo da classe trabalhadora como eixo central em nossa orientação política. Acreditamos ser esse o maior diferencial do anarquismo e a melhor justificativa para a afirmação de seu projeto enquanto alternativa na luta de classes, bem definida nos dizeres de Bakunin: “a liberdade sem o socialismo é o privilégio, a injustiça; o socialismo sem a liberdade é a escravidão e a brutalidade”.

Para nós, a crítica às ideologias estatistas em suas variáveis (reformista e revolucionária) como alternativas para cumprir o objetivo emancipatório, o qual deu razão a origem das idéias e práticas socialistas, é ponto batido. Não porque tudo já tenha sido dito ou por nós nos considerarmos auto-suficientes. Bem longe disso, mas sim, por simplesmente constatar que muitas das avaliações que a esquerda socialista de maneira geral fez frente a seus erros e práticas, que tendem a aparecer como “novidades”, já haviam sido prognosticadas pelos anarquistas. E não foram por “chute”, e sim, fruto de uma análise teórico-política bem definida. Nossa escolha por princípios de federalismo político e autogestão, ação direta e protagonismo de classe, nos apresenta, na história das lutas sociais, grandes obras e a possibilidade de visualizar um mundo que ponha fim aos exploradores e opressores. Sim, sabemos que não é tarefa fácil. Mas, o que pode parecer dar mais força e garantia de vitória, um caminho aparentemente mais óbvio e curto, pode na verdade ser apenas mais um canto da sereia e se pautar pela própria forma de fazer política dos dominadores.

Ao não centrar como eixo na construção de um projeto político o protagonismo dos trabalhadores, a conseqüência será a reprodução de formas de opressão. Seja como a de uma maioria que faz e uma minoria que pensa (ou uma casta intelectualizada e burocrata), seja a de uma localidade territorial ou “fração da classe trabalhadora” que faz a política e, uma outra, que a executa. O horizonte que almejamos não comporta tais métodos. Daí nossa proposição no fortalecimento da organização e luta dos trabalhadores, desenvolvendo e potencializado o exercício de seu protagonismo como forma de construir Poder Popular no local de trabalho, no espaço geográfico. É por isso que somos anarquistas.

-II-

Seção político-organizativa

a. Organização de intenção revolucionária e seu marco estratégico

A mobilização das massas deu a força necessária para conquistas históricas do povo, sem a organização em sindicatos, em associações de moradores, movimentos sociais e populares etc., essas vitórias não passariam de desejos individuais. Na medida em que esses desejos encontram um espaço que se transforma em construção coletiva, ele tem a possibilidade de ser vitorioso. São esses espaços que nos trazem um potencial e que podem apontar para transformação radical da sociedade.

No entanto essa é apenas uma das possibilidades. Espaços que aglutinam a classe em reivindicações mais imediatas não se transformam espontaneamente em espaços onde possa ser gestada a luta por nossa emancipação. Para termos êxito nessa tarefa precisamos de uma organização política, anarquista e que esteja nas lutas do povo.

As idéias socialistas podem se desenvolver em determinada categoria social sem, no entanto, existir a influência de uma organização política naquele meio. Militantes do meio social podem tender a se aproximar dessas idéias sem necessariamente estarem politicamente organizados, porém, nunca chegarão a levar acabo um projeto de transformação com uma visão global, tática e estratégica da realidade, algo só alcançado a partir de uma organização política.

Sem um organismo político que esteja inserido no contexto das lutas populares, fica muito difícil ultrapassar os limites das lutas apenas reivindicativas e imediatas para um projeto de ruptura. A consciência de classe oprimida e explorada precisa ser despertada dentro do seio da própria classe. À medida que se luta por algo mais imediato como um aumento salarial, mas se cria um espírito coletivo que permita o desenvolvimento de uma consciência de classe, que mostre que a totalidade das reivindicações necessárias para a vida das pessoas não são compatíveis com o sistema capitalista em que vivemos e que só a luta em conjunto de toda a classe pode nos trazer uma nova lógica de organizar a sociedade, desenvolve-se as condições objetivas para lutar por um programa máximo, para além das reivindicações imediatas.

É tarefa da militância da organização política catalisar esse processo. Sendo que a organização política não pode estar à frente dos movimentos populares. Ela deve estar inserida nesses espaços para ajudar ombro a ombro com seus companheiros de classe na construção do projeto de Poder Popular.

A classe, através de suas organizações de massa, levará a frente o projeto revolucionário de mudanças e a organização política estaria inserida nesse contexto, sendo organismo responsável por despertar a ideologia da classe, possibilitar a ela uma consistência teórica e disputar suas idéias na construção desse projeto, sempre por dentro. A atuação da organização deve ser norteada por esse sentido, pois, não podemos esperar que esse projeto apareça espontaneamente.

É através da organização que podemos observar o mundo a partir de uma teoria transformadora, estando ela devidamente inserida nas lutas do povo. A partir dessa interpretação da realidade traçamos um plano de intervenção, um plano que permita canalizar os esforços de construção do Poder Popular. Porém, temos a compreensão e a cautela, de que nem tudo depende somente dos esforços da militância e da mobilização da classe. Há uma série de fatores que são externos à nossa vontade e esforços, pois estão em relação direta com a conjuntura de cada época, do contexto singular em que a luta popular desenvolve-se.

Por isso nos reivindicamos de intenção revolucionária, visto que uma organização revolucionária não se auto-proclama, ela se faz num processo de acordo com as condições objetivas e subjetivas de cada época e no cumprimento das tarefas necessárias, mirando o objetivo final almejado: fim das classes sociais e do Estado, a igualdade e a liberdade. Para tal, agimos com os pés no chão, buscando estar cientes tanto dos limites mais objetivos de nosso tempo, quanto no trabalho de desenvolvimento do protagonismo e consciência de classe.

Acreditamos que o projeto de transformação social não se dá apenas em uma localidade, numa cidade ou até mesmo num país. Esse processo só pode ser levado a cabo em todas as suas mais amplas conseqüências se for internacional. Não precisamos, no entanto, esperarmos uma articulação internacional para podermos agir.

Temos a responsabilidade, primeiramente no chão em que pisamos e precisamos saber que esse trabalho não pode ser isolado, em algum momento deve fazer o diálogo com o processo macro. Esse tipo de atuação só pode ser conseguida se orientada por um projeto político de intenção revolucionária. Somos, por isso, internacionalistas, mas de um internacionalismo que pensa na construção do Poder Popular em cada canto que se espalha e se solidariza, que não parte de um centro diretor e conserva a autonomia necessária para a efetivação da política dos trabalhadores.

b. Prática política e método de organização de luta:

minoria ativa e protagonismo de classe

É fundamental termos bem claro a diferença entre o nível político e o nível social. Diferente de uma organização de massa, que tem uma estrutura de funcionamento balizada por um programa amplo que abarque no seu interior a maior parte dos setores da classe, uma organização política tem uma estrutura melhor definida orientada por um programa específico, algo que dê a unidade e força suficiente para balizar sua militância em seu importante papel.

Acreditamos em uma organização anarquista especifista e que se direcione para uma militância social. Nos organizamos em um nível político específico (o da organização anarquista, com programa político determinado) e que, de acordo com seu programa, coordena sua militância inserida nas lutas e organizações de massa (nível social).

A atuação social dos militantes de nossa organização é a razão dela existir e essa atuação se faz dentro das instâncias de organização de massa ou de base: sindicatos, entidades estudantis, movimentos de bairros, etc. Na medida em que consideramos local estratégico de atuação de nossa militância os diversos espaços criados pela classe, nós traçamos uma política de atuação para cada local de intervenção contínua de nossa militância. Essa concepção visa garantir nossa expressão política na disputa de nossas idéias. Elas não concebem o engessamento dos movimentos onde atuamos. Elas são disseminadas no seu interior e sua conseqüência primordial é a intenção de colaborar com determinado movimento em sua luta, sempre em sintonia com os ideais transformadores.

Não nos movemos pelo crescimento de nossa organização, nos movemos pelo engrandecimento da luta do povo e confiamos que o desenvolvimento dessa luta é quem propiciaria o crescimento de nossa organização, não como um fim, mas como uma das conseqüências. De nada adianta ter uma organização grande se toda essa grandeza não representa de fato uma mobilização das bases sociais e só representa demarcação de território e reprodução de práticas políticas que não condizem com um processo de ruptura.

Isso tudo implica em uma intervenção singular, pois sabemos que ao militarmos numa organização social ampla nós estamos disputando idéias, seja com grupos organizados ou não. Por mais que possamos algum dia ter a hegemonia em alguma entidade, ela nunca será vista como pertencente à organização política, nossas idéias não penetrarão nela por correia de transmissão, mas por convencimento.

Nossa prática política diferenciada, a forma de se dedicar às tarefas do dia a dia da organização e o esforço pela construção de um projeto coletivo, é nossa principal forma de propaganda e método de despertar mais pessoas para a luta. Não basta termos uma boa militância no seu local de atuação se seus esforços não são acompanhados pelos demais. De nada adianta estarmos na diretoria de determinado sindicato se isso não for conseqüência de uma mobilização pela base. Se a grande maioria de um movimento social não for protagonista de suas próprias lutas esse projeto não está com consistência e há muito ainda o que fazer.

Dessa maneira, nos organizamos como minoria ativa, que, orientada por um programa político, age socialmente. Nossa tarefa é colaborar no desenvolvimento dos ideais transformadores junto aos trabalhadores, que de certa forma já existem como potencialidade. Não queremos entregar um projeto pronto e esperar que as massas o sigam. Nossa intenção é colocar nossas idéias a partir de uma prática política que se orienta pelo protagonismo dos trabalhadores, construindo o projeto em conjunto.

c. Estrutura e funcionamento da organização especifista

Para funcionar de forma organizada e poder atuar positivamente nas instâncias sociais, nossa organização se estrutura por: unidade teórica, unidade de ação, responsabilidade coletiva e federalismo. Esses princípios organizativos são identificados no documento histórico da Plataforma de Organização, do grupo de exilados russos Dielo Trouda (Causa do Povo) em 1926. Também fazem parte do método e concepção de organização política iniciado por Bakunin.

A unidade teórica de uma organização é fundamental. É a forma particular de como enxergamos a vida, como enxergamos a realidade que nos cerca, que tipo de interpretação damos a tudo isso. Essa teoria está a serviço da luta de classes e evidentemente toma partido dos setores explorados. Na medida em que temos um modo particular de interpretar essa realidade construiremos as possibilidades de transformação de maneira consistente. Como a teoria tem compromisso com a luta de classes, ela é forjada na medida em que evolui o projeto de Poder Popular.

A teoria da organização é a teoria de todos os membros desta, o que não implica necessariamente na ausência de divergência secundárias e pontuais entre seus membros. Mas, para atuarmos com força e à altura de nossos ideais, temos que partir de uma interpretação única dessa realidade e defender um só projeto, caso contrário não estaríamos agindo como uma organização, mas como um conjunto de individualidades.

A unidade de ação garante a atuação da organização como um único bloco. Podemos ter uma mesma teoria que oriente as diferentes pessoas do grupo e, mesmo assim, termos diferentes táticas de ação. Atuaremos de acordo com a opinião da maioria, que será a opinião da organização. Após um processo de discussão coletiva, onde todos têm a mesma oportunidade de esboçar sua opinião, havendo divergências vota-se e se atuará de acordo com a maioria.

Isso se afasta de posturas dogmáticas ou autoritárias, na medida em que se entende que não estamos nos movimentos sociais para fazer deles mera expressão de nossa vontade, pois uma tática política geral, deve sempre ser posta em respeito e diálogo com as singularidades de cada espaço e na base de uma prática política que preza por uma ética militante.

A responsabilidade coletiva contribui na unidade da organização, pois não há espaço para desvios individualistas dentro de uma organização anarquista especifista. Cada membro tem a responsabilidade política pela organização, bem como a organização tem responsabilidade política por cada membro. Cada pessoa contribui para o projeto da organização e esse é fruto da discussão coletiva.

Agimos por federalismo, pois é o modelo ao qual consideramos ideal para o funcionamento da sociedade emancipada e justa. Ele não pode ser colocado em prática como modelo de funcionamento de maneira geral para sociedade nas características que ela possui hoje, porém é de extrema importância que em nossas organizações populares e em nossa própria organização política atuemos com o método federativo, não só por ser o método mais eficiente e coerente com nosso projeto, como também, por ser formador de militância e seu próprio exercício ser uma forma de propaganda revolucionária quando aplicado nas organizações de base/massa.

Federalismo deve significar respeito às decisões pela base, respeito às particularidades dos locais onde a organização atua, mas sem perder a unidade que une os diversos setores da organização. Deve entender também que à medida que a organização cresce e se complexifica, necessita de instâncias diferenciadas e um maior esforço para garantir que a delegação esteja respaldada com um acúmulo de discussão das instâncias de base. Em resumo, o modelo de organização federativa orienta-se pelo respeito às particularidades locais, baseado em uma unidade teórica e de ação.

Nossa organização parte do pré-suposto de que todos os seus membros têm que estar inseridos em algum espaço de militância social. Não nos dividimos no setor que pensa e no que executa. Todos têm que atuar socialmente e levar essas características para o seu local de militância. Estando em um sindicato terá que trabalhar como os outros trabalhadores para que sinta na pele o que os outros sentem, para entender a realidade vivenciando e assim colaborar de maneira mais eficiente no projeto de construção do Poder Popular.

Sempre haverá os que se dedicam com mais empenho à elaboração teórica, mesmo assim, deverão estar inseridos em algum espaço de militância. Da mesma forma os restantes dos membros farão obrigatoriamente parte de espaços de reflexão. Por mais que não tenham possibilidade de se tornarem “teóricos”, têm que fazer parte dos espaços de elaboração seja teorizando de maneira mais profunda, seja dando sua interpretação sobre os fatos que envolvem sua militância de maneira simplificada.

O afastamento da militância pode desenvolver uma categoria de dirigentes que ordenam para outros executarem, o que vai de encontro a um projeto autogestionário de uma nova sociedade. De maneira inversa, o militante que se ocupa somente das questões de sua militância tende a perder em seu horizonte o próprio papel da organização política anarquista na construção de um projeto de ruptura.

Portanto, todo militante deve atuar politicamente segundo o programa da organização e contribuir na construção do mesmo, deve participar da instância deliberativa da organização e dos espaços organizados por ela, deve estar inserido socialmente em alguma frente e colaborar em suas propagandas (organização e frente de luta), exercidas tanto na prática política realizada, quanto nas idéias difundidas.