terça-feira, 17 de julho de 2007

17 de Julho de 2007, 10 anos da queda de Suruagy

10 anos da queda de Suruagy... mas a ditadura ainda é da cana

Neste ano de 2007 faz 10 anos da queda do então Governador de Alagoas Divaldo Suruagy, velho representante da oligarquia alagoana. Com a mobilização de amplos setores da classe trabalhadora, em especial, o funcionalismo público que amargava meses e meses de salários atrasados, o dia 17 de julho de 1997 ficou marcado na história de Alagoas. Mas após 10 anos, de fato a situação não mudou. No popular, “mudaram-se as moscas, mas a merda continua”. Sintomático é que neste ano tivemos uma destacada greve dos servidores da saúde, da educação em especial, e também da policia civil. Motivo? O recém governador empossado Teotônio Vilela cortou ajustes salariais, alegando que o Estado não tem condições de pagar.

É uma bolha pronta pra estourar, e certamente quem leva a pior são os trabalhadores. A raiz de toda alegada crise financeira do Estado pode ser encontrada de maneira mais imediata nos sucessivos acordos firmados entre Estado e usineiros. O mais famoso deles, o firmado no Governo Collor ao final na década de 80, eximiu repasse de ICMS, calculado em torno de R$1,5 bilhão.

O setor canavieiro continua a ditar as regras do jogo. Um setor que em 2005 faturou R$2 bilhões, tendo somente 3,5% deste montante destinado ao pagamento do corte de cana, o que lhe confere lucros exorbitantes. Ainda assim, a retórica de crise do setor e de certa “vocação” de Alagoas para a produção de açúcar e álcool, continua a valer como blindagem ideológica para o saque e a espoliação aos trabalhadores alagoanos, desde sua força física até seus sonhos por dignidade.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Ocupação na UFAL - ensinamentos

O MOVIMENTO DE OCUPAÇÃO DA UFAL – ALGUNS ENSINAMENTOS


Ocupando a REI-toria...

Tendo durado sete dias (de 24 a 31 de maio), a ocupação foi organizada pela Frente de Luta Contra a Reforma Universitária e pelo Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), possuindo depois a adesão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), além das diversas entidades e sindicatos (como a dos docentes da Ufal). Esteve inserida já num processo de lutas a partir do calendário da Semana de Luta Contra a Reforma Universitária realizada na UFAL que teve, entre outras coisas, a distribuição gratuita de alimentação do Restaurante Universitário.

A ocupação não contou, e nem poderia, com o apoio da atual diretoria do DCE, ligada à partidos do Governo Lula (UJS-PCdoB e DS-PT). Não só isso, seus diretores tentavam deslegitimar a luta, questionando sua “representatividade”. Um ato que envolvia centenas de estudantes e militantes já respondia por si, mas depois de uma das maiores assembléias estudantis dos últimos anos da UFAL com mais de 550 estudantes e do apoio do Conselho de Entidades de Base (CEB), a legitimidade do ato tornou-se indubitável.

As pautas da ocupação da Reitoria foram construídas em cima de questões já anteriormente postas pelo ME, como o Restaurante Universitário (RU) – iniciada na ocupação de 2005. O ato possuía uma entonação de denúncia e mostrava a relação das pautas levantadas pelo ME na UFAL com o caráter privatista do processo, nacionalmente em curso, de Reforma Universitária. A pauta que unia os movimentos do campo, a Escola Agrotécnica de Murici, havia sido conquistada anteriormente no Conselho Universitário (maior instância deliberativa da UFAL). Naquele momento o ME e os movimentos de luta pela terra reverteram, em intervenção no Conselho Universitário, seu caráter de produtora de mão-de-obra (barata, inclusive) para a indústria canavieira de Alagoas, em uma escola com ênfase na agricultura familiar. Porém o Grupo de Trabalho que seria responsável pela elaboração do novo projeto não tinha sido convocado. A suspeita, confirmada durante a ocupação quando encontramos o “novo projeto”, era que a reitoria o vinha construindo “por baixo dos panos” sem a participação dos estudantes e trabalhadores rurais organizados, com a latente intenção de retomar o caráter latifundiário e sucro-alcoleiro.

Ao fim da ocupação todas as pautas foram ganhas. Como toda luta, incorpora-se ao movimento também as experiências vividas e seus ensinamentos. São delas que trataremos.


“A luta vem, a UNE some... não fala em nosso nomel”

Recentemente o Movimento Estudantil nacional protagonizou grandes momentos na luta contra o Governo Lula, através de uma série de manifestações e, sobretudo, atos de ocupação das reitorias das universidades aliando suas pautas locais com a luta contra a Reforma Universitária do governo.

A importância histórica dessas mobilizações é que não só foi feita à revelia da governista UNE como também a desgastou frente aos estudantes. Claro que tais mobilizações em muito se deram através da formação da Frente Nacional de Luta Contra à Reforma Universitária que agrupa os setores da CONLUTE e também setores da UNE (FOE). No entanto, em todos esses anos de Governo Lula, nunca ficou tão claro que a UNE não fala em nome dos estudantes em luta. O melhor exemplo ocorreu na UFAL com o ato de protesto realizado durante uma “palestra” do presidente da UNE, Gustavo Petta, que reunia cerca de minguadas 15 pessoas em uma sala. Na oportunidade, o recado foi dado pelos estudantes ocupantes: a UNE é capacho do Governo Lula! E enquanto os estudantes lutavam contra Lula e as Reitorias pelo Brasil, a UNE sentava com estes, tentando deslegitimar as lutas que são incapazes de fazer. Não à toa que em meio à repercussão e força que ganhava as lutas estudantis nacional, que tinha como maior referência a ocupação da USP, a UNE convocou um dia de ocupações que foi tão armado quanto furado.

Mais uma vez a tese de que quando as entidades não dão fôlego à luta são superadas pelo próprio movimento se mostra verdadeira. Mais uma vez mostrou-se que a luta tem de ser feita quer as diretorias das entidades queiram, quer não. Os acontecimentos recentes foram a prova de fogo que a luta para derrotar a Reforma Universitária deve também implicar a derrota da política da UNE, de seus vícios e sua burocracia.


A aliança entre estudantes e trabalhadores e a reação da burocracia acadêmica

O maior diferencial da ocupação da Reitoria certamente foi a aliança estabelecida entre o Movimento Estudantil e os Movimentos Sociais, dado a partir da pauta da Escola Agrotécnica. A importância desta pauta era tamanha porque dialogava diretamente com o caráter da universidade, além de permitir uma articulação tão necessária e tão pouco efetivada, dos estudantes e da própria universidade com a classe trabalhadora do nosso estado.

Se a universidade é um espaço policlassista isso não significa convivência “pacifica” entre classes e seus interesses. Com a ocupação e o enfretamento à submissão da produção do conhecimento às elites alagoanas, este antagonismo de classes foi acirrado. Mais do que nunca, a burocracia acadêmica, que muito se beneficia com as “trocas de favores” e a mercantilização da educação, se sentiram acuados. A reação conservadora veio através de articulações junto a departamentos e unidades acadêmicas para tentar derrotar o movimento, mas este soube utilizar seus instrumentos de mobilização e comunicação, mantendo-se firme com o apoio estudantil crescente.

A concepção de que a universidade deve não somente servir aos interesses da classe trabalhadora, mas efetivamente incorporá-los é fundamental para o avanço de nossas lutas. A importância histórica dessa aliança deve ser não só ressaltada, mas mantida, buscando-se sempre ampliar a predisposição do movimento estudantil em estar em luta conjunta com os trabalhadores, assumindo uma postura classista e fazendo da universidade mais uma trincheira na luta de classes.


Duas ocupações, duas táticas e duas vitórias...
o pensar estratégico para o acionar tático

Tendo em vista as inevitáveis lembranças e retomada de discussões da ocupação desta mesma reitoria na greve das federais de 2005 (que durou 19 dias), aproveitamos a oportunidade para discutir a importância de superar análises “ultimatistas”, que se caracterizam muitas vezes por não pensar, à luz estratégica, os instrumentos de luta do movimento e suas posições táticas. Estas devem também estar condicionadas a análise conjuntural, correlação de forças e a possibilidade de fortalecimento do movimento.

Assim como em 2005, a recente ocupação foi resolvida através de um acordo judicial. Durante a audiência de conciliação deu-se um impasse quanto à ampliação do RU, visto que a reitoria afirmava não poder estabelecer data para tal naquele momento. Isso representava uma grande flexibilização, já que esta era uma das pautas mais enfatizadas e que nos traria um ganho material imediato. A própria ocupação possuía um caráter mais de denúncia do que propriamente de reivindicação visto que tratava de pautas ganhas em momentos anteriores (como esta do RU), mas até então não cumpridas pela Reitoria. Como a mesma vinha descumprindo sistematicamente todos os acordos que havia estipulado com o ME, não amarrar data para a ampliação das vagas do restaurante era não amarrar data para cumprimento de acordo. Era não amarrar o próprio acordo. A maioria do movimento avaliou que a ocupação ganhara respaldo nos estudantes, apesar dos ataques dos setores conservadores da universidade, principalmente dos ligados à Reitoria. Nossa avaliação era de que apesar disso, a adesão estudantil era forte e o caráter de aliança com os movimentos dos trabalhadores dava uma entonação ainda mais firme e diferenciada ao movimento de ocupação. A Reitoria de fato estava “blefando” e desesperada, pois na verdade encontrava-se acuada.

A teoria revolucionária mostra que a via para as conquistas materiais e políticas para a classe trabalhadora, vêm através do conflito de classe e não da conciliação. A análise tática mostrava que o instrumento de luta ainda não estava desgastado, ao contrário, demonstrava vitalidade e deveria fazer valer sua força. O resultado foi que, em resposta à ação do movimento de manter sua posição sem “flexibilizar”, a Reitoria mudou de postura no decorrer da audiência, terminando por ter que ceder em todas as pautas. Foi a vitória da ocupação.

Porém, algo, além disso, deve ser avaliado e analisado mais profundamente. Na greve das universidades em 2005, o Comando de Mobilização Estudantil construiu uma ocupação também no gabinete da reitora que durou 19 dias, também encerrada em acordo judicial. Sem dúvida esta ocupação abriu um flanco que possibilitou as lutas de hoje pelo aumento de assistência estudantil. As pautas que haviam iniciado a ocupação em 2005 eram amplas e de resolução bem mais complicada, pois foi a partir daquele momento que se cavavam as lutas que serão retomadas nesta ocupação de 2007 (RU e taxas, por exemplo). Naquele momento, às vésperas da audiência com o juiz federal, assim como se deu no meio da audiência desta ocupação, deu-se um grande debate no seio do Movimento de Ocupação. A questão era quanto à pauta de taxas acadêmicas (emissão de documentos), onde se apresentava a discussão de flexibilizar neste ponto ou não, ou seja, se a extinção imediata de todas as taxas em juízo também era condição para o movimento ou não. Foi um debate árduo, que requeria maturidade tática, e cremos que a comparação com os fatos recentes é de fundamental importância para o amadurecimento do movimento. Nosso posicionamento, naquele momento, foi o de “flexibilizar nas pautas” (e aqui é realmente entre aspas, como veremos). Vamos então explanar as diferenças políticas e de conjuntura que levaram às diferenças de posicionamento de nossa organização.

Em primeiro lugar, a conjuntura naquele momento era completamente diferente. Naqueles tempos vivíamos uma greve e a dificuldade de comunicação tornava extremamente complicada mobilizar mais estudantes do que os que já estavam mobilizados. Não havia tendência posta de ascenso do movimento e mesmo que alguns setores se dispusessem a tentar mobilizar estudantes secundaristas, sua viabilidade era bem questionável. Outra diferença fundamental era o tempo que já havíamos passado ocupados e a limitação de pessoas que encontrávamos. Eram 19 dias com as mesmas 30 ou 40 pessoas se revezando, bem diferente das 100 pessoas que se revezaram por 7 dias, e com adesões freqüentes. A terceira diferença vem da própria pauta. As pautas da ocupação de 2005 estavam entrando naquele momento nas pautas do ME e de fato foram abertos flancos imediatos nas pautas para que a luta tivesse onde se constituir. Não só isso, proporcionou que a pauta do RU em 2007 tenha obtido ainda mais apelo e força. Ainda assim, um comparativo com a ocupação de 2007, pode mostrar que em 2005 os avanços conquistados naquele momento ainda foram maiores. Na própria questão do Restaurante, foram ganhas 300 comensais no almoço e projeto de RU para todos dentro de prazos estabelecidos. Não foram cumpridas.

Em 2007, basicamente a mesma coisa foi conquistada (ainda um pouco menos quanto ao número de comensais). Também pode não ser cumprido. No entanto, com um acúmulo de duas ocupações em dois anos, o ME tem, em tese, muito mais poder de barganha para fazer no real, as conquistas expressas no papel (ganhas na luta). E as taxas? Em 2005, após a ocupação, a mobilização para o Conselho Universitário (CONSUNI) extinguiu as taxas para alunos de instituições públicas de ensino. Uma vitória parcial, já que a pauta era o fim integral delas. Em 2007, quanto a essa pauta específica, nada foi avançado na ocupação, até porque o conteúdo da pauta nesta ocupação era cobrar da universidade o rigoroso cumprimento da norma deliberada pelo CONSUNI, tendo em vista as denúncias recebidas de cobrança que estariam sendo feitas e a pouca visibilidade desta informação para a comunidade acadêmica.

Com tudo isso, podemos até dizer que as pautas de 2005 como as pautas de 2007 acabaram sendo um pouco destoantes com a capacidade de mobilização demonstrada, principalmente a última que dada a força que o movimento ganhou as pautas apresentadas ficaram, em certa medida, um pouco tímidas. Mas a grande questão aqui é a importância de se pensar as táticas do movimento, sem perder o olhar estratégico. A ocupação de 2005 possibilitou a ocupação de 2007 na UFAL, tanto na abertura das pautas, quanto na preparação e na construção da militância estudantil. Não existem táticas pré-concebidas e não é com base em “principismo” que avançamos. O que não quer dizer que vale qualquer coisa em qualquer ocasião. Trata-se de entender que a radicalidade das lutas está condicionada aos seus métodos e possibilidades de arrancar conquistas visando pensar além do imediato e de posições “ultimatistas”.

Cada luta é uma batalha e certamente existem batalhas que são mais decisivas, representando um marco. As ocupações da Reitoria fizeram parte desse tipo de batalha. Mas uma batalha entre tantas outras maiores ainda a serem feitas. O lastro deixado é com as lições trazidas, que devem servir de ferramenta para o avanço dos movimentos, rumando no sentido, inclusive, de superar o imediatismo das lutas para dar conseqüência e continuidade a elas. Para isso, a análise de momentos passados, a memória do movimento, é uma importante ferramenta de construção da luta. Essa é a lição que apresentamos. Aos companheiros e companheiras de ocupação e de luta, em todo Brasil, nossas saudações revolucionárias. Aos sabotadores governistas e burocratas de plantão nosso mais firme combate. Avante, sempre!


Comunicado de avaliação do CAZP, julho 2007

[Boletim 01] Contra as Reformas de Lula: protagonismo popular!

PARA DERROTAR OS ATAQUES DE LULA É PRECISO PROTAGONISMO POPULAR

Desde a vitória eleitoral de Lula/PT e seus aliados em 2002, bem como sua reeleição em 2006, a política neoliberal implementada no Brasil no começo da década de 90 vem tomando fôlego e continua atacando a maioria do povo brasileiro, de forma direta ou indireta. Setores oriundos da classe trabalhadora e movimentos sociais que sustentaram a luta contra as reformas neoliberais durante a década de 90 hoje são cooptados pelo Estado e, embriagados com o poder, utilizam-se de uma política traidora. E o pior: a maior parte dos movimentos sociais, apáticos, servem de base para as políticas neoliberais.

Entidades que tiveram grande importância na luta estudantil e sindical brasileira, como a UNE e a CUT, hoje se assemelham a departamentos do governo. Membros de partidos como PT e PC do B controlam essas entidades, aparelhando-as há anos, não dando possibilidade de participação a setores de oposição que poderiam recolocar essas organizações na luta. Impregnada por uma cultura onde as direções constroem a política e a base de estudantes e trabalhadores são alienadas de qualquer participação, seguem dando sustentação as políticas de reformas universitária, trabalhista, previdenciária e sindical. Estas favorecem o mercado e patrões contra as necessidades dos trabalhadores e são colocadas na ordem do dia pelo governo, que recebe forte pressão dos meios de comunicação e de grandes empresários para maior agilidade na sua implementação.

Essas reformas atacam direitos históricos conquistados por trabalhadores a duras penas, tal como o direito à greve, que é uma das poucas formas de luta que dispomos. Lula, que já foi sindicalista e líder de greves no ABC no final da década de 70, hoje faz declarações contra as greves de servidores públicos. As principais centrais sindicais, entre elas a CUT, não demonstram sinal de oposição clara às reformas e sustentam essa política participando de negociações fictícias, nas quais se pretende forjar uma participação popular nas decisões. Outras vezes se omitem, dando a falsa impressão que nada de grave ocorre, quando não acontece ainda pior: apóiam as ações governamentais com vários de seus ex-dirigentes na cúpula do governo elaborando esses ataques.

Nesse contexto cresce entre setores dos movimentos sociais a necessidade de organizar a luta para barrar essas reformas, e se não há mais possibilidade de construí-la através das entidades que foram cooptadas pelo governo, é urgente organizar os setores que permanecem fiéis às bandeiras em prol da classe trabalhadora e da transformação social. Desde o dia 25 de março, em um encontro realizado em São Paulo, milhares de sindicalistas (organizados especialmente na Conlutas e Intersindical), estudantes, sem-terras e membros de outros movimentos sociais constituíram o Fórum Contra as Reformas Neoliberais.

Esse Fórum pretende se colocar no embate direto ao governo, aos grandes empresários e à mídia oficial. De lá para cá, a aliança entre esses diversos setores têm desencadeado manifestações, mobilizações e lutas nos diversos cantos do país, demonstrando que há possibilidade de aliança no setor popular, estudantil e sindical para barrar essas reformas. O ponto máximo destas mobilizações foram as diversas manifestações realizadas no dia 23 de maio por todo país, que implicou em bloqueio de estradas, ocupações de reitorias e passeatas de importante expressão. Embora setores pró-Lula participassem desses atos em algumas regiões do país, estes se encontraram em situação complicada, porque ao mesmo tempo em que dão sustentação ao governo que implementa essas políticas, se vêem diante de certa pressão na base que cobra resposta a esse ataque. O Fórum Contras as Reformas Neoliberais vai se constituindo enquanto uma alternativa para a luta.

No entanto, há muito que construir, pois se houve avanço com a aliança desses setores dos movimentos sociais, ainda não é o suficiente. Temos demonstrado força e a cada dia outros setores se ligam à luta contra as reformas. Mas a maioria ativa nessa luta é formada por militantes de direções ou oposições de sindicatos, entidades estudantis, partidos e organizações políticas de esquerda. Não há maior massificação da luta. Para tal, é preciso mudar uma triste tradição dos movimentos sociais, principalmente o estudantil e sindical.

A forma como vem se organizando a luta privilegia o controle da direção de importantes entidades, e não vem acompanhada de uma prática que extrapole o discurso. Uma prática que faça um movimento realmente pela base, organizando e debatendo com trabalhadores e estudantes, quebrando a estrutura engessada e burocratizada que encontramos na maioria das entidades. A participação da população na luta, organizada no seu local de trabalho, estudo ou moradia, é fundamental para se construir uma verdadeira alternativa popular. Este caminho é duro e com certeza é o mais difícil, mas é o único que pode nos dar uma resposta à altura da que precisamos na luta contra as reformas neoliberais e pela transformação social.

O afastamento dos trabalhadores de lutas como estas certamente não se deve apenas pela estrutura catastrófica que se configurou nos sindicatos e entidades estudantis, mas por diversos outros fatores como a própria inserção da ideologia dominante de competição e individualismo. Mas a reestruturação dessas organizações é o que está ao nosso alcance, sendo um passo fundamental na construção da luta contra os patrões e o Estado.

A participação ativa dos trabalhadores e estudantes, o debate coletivo e a democracia direta têm que ser utilizadas em nossos fóruns, rompendo com uma tradição engessada e por vezes autoritária. Tal direcionamento permite não só envolver não as direções das entidades como principalmente os trabalhadores, estudantes, sem-terras, etc. A possibilidade de isso ocorrer se tornará mais real, na medida em que setores mais amplos da sociedade adiram à luta. Por isso, ao mesmo tempo em que colaboramos na convocação da população a fazer parte dessas mobilizações contra as reformas neoliberais do governo Lula, enfatizamos a necessidade de se ter uma nova estrutura no movimento sindical e estudantil e que garantam a construção do verdadeiro protagonismo popular.

Texto do Boletim CAZP, nº 1; julho de 2007

segunda-feira, 9 de julho de 2007

[FAO] A construção do anarquismo revolucionário no Brasil

O FAO E A CONSTRUÇÃO DO ANARQUISMO MILITANTE E REVOLUCIONÁRIO

O Fórum do Anarquismo Organizado formou-se em 2002 numa conjuntura na qual já existia acúmulo de discussão entre parte da militância libertária quanto à necessidade de construir uma Organização/Partido anarquista de abrangência nacional. O FAO é a seqüência da tentativa da segunda metade dos anos 90, chamado de Construção Anarquista Brasileira, que cumpriu uma etapa entre os anos de 1995 e 2000. Neste período chegamos a montar uma Coordenação Nacional para estruturar a Organização Socialista Libertária (OSL), intento de organização nacional.

O FAO se constituiu tendo como foco e razão de ser uma presença desta militância nos movimentos sociais de base, seja estudantil, seja sindical, seja popular-comunitário. Assim sendo, "organização e inserção social" foram pontos de partida, um marco divisório inicial para passar a régua, agregar e construir com aqueles que entendiam estas necessidades e a partir daí avançar para novos desafios, e portanto, jamais foi encarado como ponto de chegada.

De 2002 para cá, sucederam-se encontros, grupos entraram e saíram e outros mantiveram contato embora não tenham chegado a aderir na construção do FAO. A partir do encontro de Goiânia em 2005, passando pelo de São Paulo em 2006, pelo encontro da Frente Estudantil e de Juventude no início de 2007 em Feira de Santana (BA), o FAO vem ganhando uma nova dinâmica, fruto do maior contato e conhecimento das apreciações políticas dos que compõem organicamente o Fórum. Pode-se dizer que nos encontramos numa nova etapa na qual a aproximação e a afinidade em torno de questões mais básicas, como a necessidade de organização e atuação social, é um ponto superado internamente, embora saibamos que ainda causa muita discussão no meio libertário.

Formam hoje o Fórum do Anarquismo Organizado, que tem presença no movimento estudantil, sindical e popular-comunitário, organizações e grupos de seis estados brasileiros: Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares - CAZP (AL); Coletivo Pró-Organização Anarquista em Goiás - COPOAG (GO); Federação Anarquista Gaúcha - FAG (RS); Organização Socialista Libertária - OSL (SP); Rusga Libertária - RL (MT); Vermelho e Negro - VN (BA).

Agregando grupos e organizações com graus distintos de experiência acumulada no anarquismo e nos movimentos de base, o FAO entende que a busca do afinamento político entre os grupos, passa pelo afinamento de suas militâncias sociais e de sua construção teórica. A afirmação de que anarquismo é luta, passa pela necessidade de construir uma organização anarquista com base na unidade teórica e de ação, construídas a partir de uma organização interna com base no federalismo político e na responsabilidade coletiva. Esses pontos, que tocam mais o problema de organização e seu funcionamento, são basilares e já indicam um caminho bem delineado para uma construção mais ampla.

Este é o objetivo pelo qual o FAO se move, ou seja, o de construir uma organização revolucionária anarquista atuante nas lutas. Revolucionária não por auto-proclamação, e sim por se pautar pela construção da revolução social, colocando sua atuação militante nos movimentos sociais de base sob esta estratégia finalista, sem deixar de fazer, evidentemente, a análise necessária da realidade histórica e sua conjuntura.


A PACIÊNCIA TAMBÉM É REVOLUCIONÁRIA - ENTRE ERROS E ACERTOS

De 2002 para 2007 vão-se cinco anos. Alguns podem nos perguntar: por que o FAO ainda não se constituiu enquanto uma única organização nacional? Estariam os anarquistas agrupados no FAO se debatendo em divagações quanto à "necessidade da organização", "para que se organizar como anarquista?" ou coisa semelhante? A resposta é um enfático não.

Primeiro porque a organização é um meio para nós e não um fim em si mesmo. Por isso, não nos perdemos debatendo eternamente questões organizacionais, cuja necessidade e formas concretas são resolvidas e entendidas facilmente para quem está colocado diante das exigências de atuar e dar resposta política.

Em segundo lugar, ainda que passando dificuldades para superar percalços internos agravados até mesmo por questões de ordem geográficas e de comunicação, temos dado nossos passos que modestamente nos fazem avançar. Temos diferentes níveis de acúmulo de discussão e militância, bem como diferentes trajetórias que nos levaram a um ponto em comum: o anarquismo especifista. Não temos nenhuma grande estrutura que permita uma discussão mais dinâmica dentro do FAO e uma conseqüente resolução mais rápida de suas lacunas. Isso logo nos impõe limitações que são parte integrante das dificuldades de se reconstruir o anarquismo militante neste país.

Mas não estamos aqui para lamentar problemas estruturais, que por mais que incidam, não são nem de longe os fundamentais. O central em nossa discussão é a costura da uma unidade em nossas militâncias que venha a representar efetivamente o afinamento teórico-político de nossas análises, sempre relacionando teoria e prática, pois elas não se separam e cada uma é fomentadora da outra.

Tal processo não se constrói de forma pura e linear, por isso requer paciência. Aqui a paciência é revolucionária, pois busca aliar uma análise da situação real da luta de classes, localizando inclusive o próprio anarquismo, com a magnitude de um projeto nacional em construção.

Nesse processo precisar a influência e a possibilidade de avanço da militância anarquista nas lutas sociais é importante e se relaciona intimamente com a própria maturidade político-ideológica do anarquismo. Levar em conta tais questões é imprescindível para dar passos concretos, passos em comum, que sejam conseqüentes e que de fato representem uma construção efetiva do objetivo traçado. Portanto, o próprio FAO precisou ultrapassar determinadas etapas até poder "se achar" e acreditamos estarmos hoje num processo mais avançado e delineado daquele que foi iniciado, vide a própria composição do primeiro encontro em Belém para o que temos e somos hoje.

Um processo como esse não pode se dar sem contradições internas e no FAO certamente as temos, até pelas próprias questões já observadas. Entendemos que para contribuir realmente com a luta revolucionária é preciso ter condições de intervir na realidade da maneira mais ampla e profunda possível e isso não se faz com pequenos grupos isolados, nem mesmo com organizações de âmbito estadual. Pensando desta forma resolvemos ser conseqüentes e levar a sério a necessidade de construir uma ferramenta anarquista nacional. O potencial do FAO, com a dimensão de sua militância e sua abrangência territorial, ainda que não sejamos de fato uma organização/partido nacional, pode nos permitir um salto qualitativo na construção classista do anarquismo brasileiro.

É com base na realidade de grupos e organizações atuantes nacionalmente, sem as precipitações que já puseram "tudo a perder" em outros momentos, que os anarquistas do FAO pretendem construir uma organização nacional. Não é a partir de um único grupo que lança ultimatos aos demais, despreza a construção coletiva, e pretende gerar adesão a partir disso que se poderá fazer do anarquismo uma ferramenta mais ampla para a luta dos trabalhadores.


O FAO FRENTE ÀS CRITICAS DE "ECLETISMO"

O anarquismo sofreu e ainda sofre, com a parca sistematização teórica e, principalmente, pela raridade de uma nova produção teórica. Por isso mesmo, a construção teórica, frente aos desafios da luta revolucionária, toma posição de grande importância, como nos ensina o Huerta Grande da histórica Federação Anarquista Uruguaia (FAU).

Evidente que constatar tal questão, por si só não a resolve. Temos sido, enquanto FAO, acusados de "ecletismo" teórico e ideológico por parte da UNIPA ("Anarquismo e Ecletismo, em geral e particularmente no Brasil" - Comunicado n° 15), pelo fato de não nos basearmos unicamente em apenas um pensador, no caso deles Bakunin.

A intenção deste documento é justamente mostrar as diferenças entre os caminhos traçados pelo FAO e pela UNIPA. Este grupo é ex-membro fundador do FAO, cuja estadual antes pertenceu a mencionada Construção e depois a primeira OSL. Hoje, consideram-se imunes às críticas, pois julgam ter "resolvido" os problemas da construção teórica. Pontuaremos então, as críticas necessárias aos pretensos "bakuninistas" e sua empreitada.

A UNIPA trilhou um caminho que enxergou na falta de uma base teórica, coerentemente articulada, o "calcanhar de Aquiles" do anarquismo. Assim, as fragilidades do anarquismo classista e combativo estariam na falta de um referencial teórico claro para orientar a prática. Nós concordamos com isso, mas fazemos nossas ressalvas. Também entendemos que há uma carência teórica no anarquismo e temos trabalhado muito para avançar neste aspecto. Neste sentido, várias discussões do FAO e publicações de seus grupos atestam isso, trabalho que ocorre muito antes da UNIPA sequer existir. A construção de referenciais teóricos coerentes e o acúmulo de experiência prática é o que vai permitir uma análise da realidade em diferentes níveis que habilite o estabelecimento de um programa socialista libertário para os dias de hoje.

No entanto, por mais importância que uma base teórica tenha para a atuação anarquista ela não resolve nossos problemas automaticamente, o que não parece claro para a UNIPA que investe em caminho diferente. A lacuna teórica no anarquismo não se constrói de uma tacada só, sobretudo quando pretendemos levar adiante um processo mais amplo de construção nacional. Menos ainda com leituras estanques, trazidas para o presente mais de 150 anos depois, totalmente fora de contexto.

A construção de uma teoria requer trabalho, tempo e gente dedicada a isso. Também requer maturidade política, pois infelizmente não avançamos ao sabor dos nossos desejos, nem na luta, nem na construção teórica. Mas a UNIPA, obcecada pela promessa de que a partir da ideologia resolveria todo restante, trabalhou para "resolver a parada" rapidamente. O esforço não foi de todo em vão, algumas coisas boas vieram nos documentos da UNIPA e como não raciocinamos com "bem" e "mal", não jogamos fora tudo que a UNIPA produziu nestes últimos tempos. Nossas divergências centrais relacionam-se a dois pontos: a confusão entre filosofia política, teoria e ideologia e a caracterização do bakuninismo feita pela UNIPA, intimamente relacionada ao primeiro ponto.


A confusão entre teoria e ideologia

Um dos pontos cruciais é a própria maneira que a UNIPA apreende e discute Teoria e Ideologia. Partindo do mencionado documento Huerta Grande da FAU (pode ser obtido na íntegra no site da FAU), e que também tomamos como referência em nosso debate, a UNIPA tirou conclusões totalmente equivocadas. Na verdade, opostas ao sentido do documento, que deveriam rejeitar se fossem coerentes com o que afirmam sobre o tema. Pedimos um pouco da paciência do leitor, porque sem nos remetermos a alguns trechos do texto ficaria impossível explicitar a natureza de algumas divergências. O Huerta Grande diz sobre teoria:

"[...] um conjunto de conceitos coerentemente articulados entre si. Se exige um sistema de conceitos, uma teoria. [...] Não iremos inventar esquemas teóricos a partir do zero. Não vamos criar uma nova teoria em todos os seus termos [...] Teremos, então, que tomar a teoria conforme vamos elaborando, analisando-a criticamente. Não podemos aceitar qualquer teoria de olhos fechados, sem crítica, como se fosse um dogma. [...]
Então, entre os elementos que incluem as diferentes tendências da corrente socialista, tomaremos sempre os elementos que melhor nos sirvam para isso: para pensar e analisar de forma revolucionária o país, a região ou outras regiões e experiências. [...]
O trabalho teórico é sempre um trabalho que se sustenta e se baseia nos processos reais, no que acontece na realidade histórica."


E sobre ideologia:


"A ideologia, em troca, é composta de elementos de natureza não científica, que contribuem para dinamizar a ação, motivando-a, baseada em circunstâncias que, ainda que tendo relação com as condições objetivas, não derivam dela, no sentido estrito. A ideologia está condicionada pelas condições objetivas, ainda que não seja determinada mecanicamente por elas. [...]
A teoria torna precisa, circunstancializa, as condicionantes da ação política: a ideologia motiva-a e a impulsiona, configurando-a em suas metas "ideais" e seu estilo.
Entre teoria e ideologia existe uma vinculação estreita, já que as propostas destas se confundem e se apóiam nas conclusões da análise teórica. Uma ideologia será tanto mais eficaz como motor da ação política, quanto mais firmemente se apóie nas aquisições da teoria. [...]
Somente a partir de uma compreensão teórica adequada, ou seja, profunda e científica, podem desenvolver-se elementos ideológicos (aspirações, valores, ideais, etc.) que constituem os meios adequados para a transformação de tal realidade social com coerência de princípios e eficácia na prática política. [...]
Pode existir, admitimos, uma prática política fundamentada somente em critérios ideológicos, ou seja, não fundamentada ou insuficientemente fundamentada em adequadas análises teóricas. Isso é o habitual em nosso meio."


Qualquer leitor poderá tirar suas próprias conclusões e se não tiver dificuldades na leitura do texto concluirá que é a partir da teoria que uma organização anarquista desenvolve análises, estratégias e táticas. A ideologia nos fornece motivação, elementos de propaganda e doutrina. Mas o modo como a UNIPA caracterizou ideologia e teoria (vide documento A Revolução Social no Brasil) não foi uma simplificação, mas um desacordo total com o Huerta Grande, uma inversão das coisas, fazendo da ideologia o elemento central. Eis o grande erro.

Não se trata de dizer que a teoria se constrói destituída de elementos ideológicos, nisso crêem os positivistas. A teoria revolucionária para se constituir parte necessariamente de um ponto de vista da classe trabalhadora e incorpora os valores e as experiências de luta desta. Mas se estamos a falar de ideologia anarquista e teoria anarquista (seja a formulada por Proudhon, Bakunin ou Kropotkin), não podemos considerar que a ideologia anarquista nos leva a uma teoria anarquista. Para fins didáticos, diríamos que a relação é inversa.

A destruição do capitalismo associado à do Estado enquanto elemento ideológico no anarquismo é e foi teorizada de diferentes maneiras por aqueles que se propuseram fundamentá-las. Mas, evidentemente, estes elementos ideológicos, que são necessariamente genéricos, se formaram historicamente a partir de uma elaboração teórica iniciada com Proudhon e Bakunin mesmo que entre estes existam diferenças.

Portanto, o anti-estatismo no anarquismo, enquanto um elemento ideológico constitutivo do mesmo foi incorporado a partir de uma análise teórica que identificava o Estado como incapaz de promover a igualdade e a liberdade, Mas, se isso é um guia geral, não leva necessariamente a uma teoria capaz de responder à altura os desafios e situações históricas concretas.

Tomando como exemplo a atitude dos anarquistas diante do Estado na Revolução Espanhola 1936-39, podemos dizer que as análises, ou a falta delas, pois quase tudo era baseado apenas em ideologia e em sua derivação direta de filosofia política, derrotaram qualquer possibilidade de dar respostas mais corretas aos problemas do poder enfrentados pelos anarquistas. A ideologia anti-estatista dos anarquistas espanhóis, que apesar de purista parecia uma forte salvaguarda ideológica, transformou-se em negligência para se pensar efetivamente a questão do Estado e do poder. E no fim das contas observamos os mais puristas, justamente os mais apegados à "ideologia", defenderem e assumirem pastas ministeriais no Governo Republicano.


A importância de Bakunin e a "colagem bakuninista" da UNIPA

Pois bem, para a UNIPA, toda a "teoria" e "análises" seriam baseadas numa interpretação a partir da ideologia, o "núcleo duro" da filosofia política que eles auto-intitularam de bakuninismo, algo permanente e imutável, que serve muito bem para militantes inseguros e sem paciência para as agruras de um trabalho teórico real. Veremos mais adiante a que tipo de erro esta postura conduziu.

A UNIPA partiu na jornada em busca da ideologia perdida. Assim, de referência teórica, Bakunin passou a ser parâmetro de doutrina, motivo para discernir "eleitos" e "malditos". A ânsia de resolver logo a questão teórica motivou a UNIPA a batizar a sua própria leitura e recortes de Bakunin de "bakuninismo", fazendo-o como "ideologia pura", imune a criticas, assumindo até mesmo os equívocos do anarquista russo.

Nós do FAO concordamos e assumimos muito da obra, trajetória, análise e prática política de Bakunin. O seu legado teórico-prático é nossa principal referência e sua obra nos serve de base. Mas, também temos discordâncias com determinadas proposições de Bakunin e não assumimos a totalidade de suas propostas, seja por discordâncias pontuais, seja por considerarmos certas passagens ultrapassadas para a realidade atual, seja porque outras contribuições superaram certos pontos da proposta de Bakunin. Até porque entendemos que nem Bakunin, nem qualquer outro autor-militante clássico deve ser sacralizado por nós, pois não temos a preocupação em manter uma fidelidade absoluta a este ou aquele pensador, a esta ou aquela corrente. Nossa fidelidade é com a busca da leitura mais rigorosa possível da realidade para contribuir na luta revolucionária.

Bakunin pode ser entendido como fundador do anarquismo enquanto prática política, contudo não deve ser parâmetro único e exclusivo para definir o anarquismo. Devemos reivindicar dentro do anarquismo (como vertente do pensamento socialista) todos os referenciais históricos e todas as práticas políticas, de corte classista e revolucionário. Isso não significa ausência de referenciais claros e precisos, pelo contrário. Nossa preocupação tem sido integrar coerente e teoricamente tudo aquilo que foi produzido e praticado num sentido revolucionário pelo anarquismo. Por outro lado temos feito a critica e descartado tudo aquilo que avaliamos como ultrapassado ou inútil num sentido revolucionário.

A interpretação da UNIPA do que seria Teoria e Ideologia, está na base do "engessamento" de Bakunin feito pela mesma. O primeiro passo neste erro é a incapacidade da UNIPA em distinguir teoria e ideologia corretamente, considerando a ideologia, na verdade filosofia política, como o "núcleo duro" do anarquismo. O segundo passo consistiu em considerar praticamente toda a obra de Bakunin como a ideologia pura e imutável. O fato da elaboração teórica feita por Bakunin (ou de qualquer outro autor clássico) também estar condicionada a uma realidade, um momento histórico particular, é totalmente desprezado.

É uma leitura que se presta a artifícios discursivos e históricos para afirmar um Bakunin que na verdade é construído pela UNIPA. Pelas palavras destes auto-proclamados "bakuninistas", Bakunin ganha autoridade de censor, posição esta que nenhum anarquista jamais poderia aceitar e Bakunin muito menos. Mas, segundo a auto-intitulada organização bakuninista, a sua leitura particular das obras completas do companheiro de origem russa, ganha um status de "ciência" do anarquismo que impugna os desvios e falsificações pela leitura de um grupo auto-proclamado que tem mais de 140 anos separado das suas obras e do seu contexto.

O bakuninismo, uma falsificação histórica, tal como é inventado na "pureza" rigorosamente não tem história, é uma criação "idealista" e filosófica como repetem eles, que não se encaixa nas referências do comunismo libertário de Makhno ou no especifismo da FAU. Basta lembrar que esta última reivindicava a tradição organizativa de Bakunin, a teoria de partido de Malatesta, as ações dos expropriadores e o classismo anarco-sindicalista. Grosso modo, o tal do "bakuninismo", é uma narrativa de tipo colagem. Definitivamente não é desta forma que recebemos a herança do bakuninismo enquanto elementos de construção teórica e política.

Apenas para ilustrar a distância que as palavras guardam em relação às ações vale lembrar que a diferença entre organização política e social, entre o programa da organização anarquista revolucionária e o programa levado adiante pelos movimentos sociais, uma das idéias de Bakunin que consideramos mais perenes e válidas para a atualidade, é totalmente desprezada pela UNIPA. O tipo de bandeira e discurso que a UNIPA leva ao âmbito dos movimentos sociais, carregados de um radicalismo verbal e de um conteúdo ultra-revolucionário, está em flagrante desacordo com o tipo de reivindicação preconizado por Bakunin para os movimentos de massa. Neste ponto, que não é um mero detalhe na elaboração bakuninista, a UNIPA simplesmente faz tábula rasa da distinção entre o nível social e o nível político.

Enfim, a bandeira do pseudo-bakuninismo, tal como é pintada pela UNIPA, é uma leitura duvidosa, que cumpre a função subjetiva de dar uma segurança teórica definitiva e absurda para militantes que tem necessidade vital de afirmar a diferença dentro do quadro de isolamento que experimentam em relação à construção político-específica que vamos empreendendo.


Nossas diferenças com o voluntarismo revolucionário e auto-proclamatório da UNIPA

Entendemos que a construção de uma Organização política se faz fundamentalmente em compasso com o desenrolar da luta de classes. A Organização política não pretende "representar" os trabalhadores e oprimidos, que tem sua voz e seus organismos próprios de organização e luta. No entanto, pode e necessariamente deve fornecer elementos ideológicos e teóricos para sua ação.

No entanto, todos esses elementos são formados em diálogo com os vários setores da classe e em consonância com a conjuntura histórica vivenciada. Ou seja, nossas bandeiras devem expressar uma demanda posta, a partir da qual trabalhamos para dar um sentido mais amplo na luta, e que evidencia a disputa existente de projetos antagônicos de sociedade. Pensamos que a radicalidade se expressa nas lutas, fazendo avançá-las. O radicalismo verbal, de propostas obtusas, serve apenas para manter limpa a "consciência revolucionária" daqueles que as defendem, certos de que não estariam "rebaixando programa", mantendo a "pureza revolucionária". É uma radicalidade que existe somente no idealismo de alguns militantes e encontra-se totalmente desvinculada das lutas reais.

Evidentemente não se trata de abrir mão de um programa revolucionário para poder ser aceito entre as massas, mas sim de que este programa se constrói não em monólogo, mas em diálogo com a classe, com o povo. Fazemos política e militância não só para a classe, mas com a classe. É nesse sentido que se constitui um anarquismo revolucionário, não porque propõe a imediata destruição do Estado para o próximo congresso dos trabalhadores, mas porque entende o processo onde teoria, prática política, condições materiais, de organização e luta popular se relacionam e se determinam.

Mas para o voluntarismo revolucionário e auto-proclamatório, as questões se resolvem de maneira simples. Os problemas se resumiriam na incompreensão teórica ou aos traidores que, na cabeça deles, saberiam que eles estão certos, mas só por birra não dariam o braço a torcer. Por isso são traidores. Na prática, no espaço que ocupam nos debates da UNIPA, os maiores inimigos não são os capitalistas, nem o Estado, mas justamente os mais próximos deles, pois, talvez na imaginação da UNIPA, "eles nos roubam ingressos", então vamos disputar "a base do FAO".

A UNIPA certamente não é trotskista como acusam muitos daqueles que se reivindicam libertários (da mesma forma que também podem nos acusar). No entanto, o discurso, as bandeiras de luta, a tábula rasa dos níveis político e social e forma de disputa política da UNIPA se assemelham muito a várias agrupações trotskistas para os quais o maior inimigo é a fração rival mais próxima. Será que restamos nós para a UNIPA disputar?

Nos sonhos dos militantes da UNIPA toda a militância anarquista, depois de um belo "convencimento racional", faria fila para ingressar. Mas a realidade é outra e estará diante da fuça de cada um de nós, gostemos ou não.

O pior é que o voluntarismo revolucionário não conduz a uma análise mais criteriosa da realidade, contentando-se com fraseologias e uma suposta segurança analítica, que não ultrapassa o campo da ideologia. Inevitavelmente a UNIPA cai num objetivismo tosco, chegando a fazer análises quantitativas que estabelecem até as porcentagens populacionais para se deduzir um levante popular (ver Reformas do Governo Lula e as Tarefas do Proletariado, Mar/05). Na mesma linha não conseguem diferenciar os efeitos das práticas sociais desempenhada por diferentes sujeitos sociais como desempregados, professores e petroleiros, por exemplo, ignorando a posição de cada um destes setores da classe dentro do capitalismo. Para a UNIPA "organização e luta" são suficientes e produzem os mesmo efeitos, sejam elas feitas por qualquer setor da classe, bastando para isso que sejam orientados pela "ideologia bakuninista". Daí para se auto-proclamar como "A" Organização revolucionária é um passo, que talvez já tenham dado. Certamente as coisas seriam mais fáceis se assim fossem, mas para nós do FAO não é possível se balizar apenas por desejo ou ideologia.

No fim das contas, ao tomar um confuso conceito de "ideologia anarquista" como ponto de partida e colocar em segundo plano a construção da teoria, a UNIPA não apenas distorce Bakunin, mas fica paralisada diante da questão que realmente importa, jurando ter resolvido o tema. Assim, os problemas da teoria são eliminados e não resolvidos. O mais grave é que sem teoria, não se faz análise e não se adota a estratégia adequada. A estúpida realidade de isolamento está ali, diante da UNIPA, dia após dia, pedindo para ser reconhecida. Mas na sua arrogância fanática e na incapacidade de sair do limbo onde se meteu, a UNIPA foge de si mesma e de seus erros encontrando inimigos externos para dar unidade interna ao grupo.


CONSTRUIR A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ANARQUISTA DE INTENÇÃO REVOLUCIONÁRIA

Prosseguimos nossa empreitada, superando percalços e aprendendo a cada dia. Somos cientes de que o anarquismo atualmente é pouco incidente no conjunto da luta de classes e nossa militância ainda é mal coordenada nacionalmente. Construir uma Organização Política tem seu tempo e seu processo, a menos que se queira apenas uma sigla sem presença na luta e sem coerência teórica.

Mais do que um desejo, construir a organização é uma necessidade. Fazer do anarquismo um instrumento para a luta da classe requer uma análise histórica quanto aos equívocos e degenerações que distanciaram o anarquismo da maior fonte política e teórica existente: a organização e luta dos trabalhadores. E não poderíamos imaginar que isso pudesse ser feito do dia para noite, depois de décadas de ausência nas lutas. Mas aqui estamos e daqui construímos porque entendemos que o socialismo e liberdade seguem sendo as únicas aspirações pelas quais vale à pena lutar.


sábado, 7 de julho de 2007

[FAU] Huerta Grande

Huerta Grande – A Importância da Teoria

Federação Anarquista Uruguaia - Uruguai, anos 70


Para entender o que acontece (a conjuntura) é preciso poder pensar corretamente. Pensar corretamente significa ordenar e tratar adequadamente os dados que se produzem, em quantidade, sobre a realidade. Pensar corretamente é a condição indispensável para analisar corretamente o que acontece em um país em um momento dado da História desse país ou de qualquer outro. Isso exige instrumentos. Esses instrumentos são os conceitos. Para pensar com coerência é necessário um conjunto de conceitos coerentemente articulados entre si. Se exige um sistema de conceitos, uma teoria.

Sem teoria se corre o risco de pensar cada problema só em particular, isoladamente, a partir de pontos de vista que podem ser diferentes em cada caso. Ou em base a subjetividades, palpites, aparências, etc. O partido pode evitar graves erros porque pensou a si mesmo a partir de conceitos que têm um grau importante de coerência. Também cometeu erros graves por um insuficiente desenvolvimento de seu pensamento teórico enquanto Organização.

Para propor um programa é preciso conhecer a realidade econômica, política, ideológica de nosso país. O mesmo vale para se formular uma linha política suficientemente clara e concreta. Se conhece-se pouco e mal não haverá programa e só poderá haver uma linha muito geral, muito difícil de concretizar em cada lugar em que o partido trabalhe. Se não há uma linha clara e concreta não há política eficaz. A vontade política do partido corre então o risco de diluir-se. O "voluntarismo" se converte em fazer com boa vontade o que vai aparecendo. Mas não se incide de modo determinado sobre os acontecimentos, na base de sua previsão aproximada. Se for determinado por eles e perante eles se atua espontaneamente.

Sem linha para o trabalho teórico, uma Organização, por maior que seja, é confundida por condições que ela não condiciona nem compreende. A linha política pressupõe um programa, ou seja, as metas que se quer alcançar em cada etapa. O programa indica que forças são favoráveis, quais são os inimigos e quem são os aliados circunstanciais. Mas para saber isso é preciso conhecer profundamente a realidade do país. Por isso, adquirir agora esse conhecimento é a tarefa prioritária. E para conhecer é preciso teoria.

O partido necessita de um esquema claro para poder pensar coerentemente o país e a região (América Latina) e as lutas do movimento operário internacional através da História. Precisamos ter um cabedal eficaz para ordenar a massa crescente de dados referentes à nossa realidade econômica, política e ideológica. Precisamos ter um método para tratar esses dados. Para ver quais são os mais importantes, quais se precisa primeiro e quais depois. Para poder assim administrar corretamente nossas forças disponíveis para cada frente de trabalho. Um esquema conceitual que permita vincular umas coisas com outras, seguindo uma ordem sistemática, coerente e que nos sirva para o que queremos fazer como militância de partido. Que nos aproxime exemplos de como trabalhar com esses outros esquemas conceituais que atuam em outras realidades.

Mas este trabalho de conhecer nosso país teremos que fazer nós mesmos, porque ninguém vai fazer por nós. Não iremos inventar esquemas teóricos a partir do zero. Não vamos criar uma nova teoria em todos os seus termos. E é assim por causa do atraso geral do nosso meio e suas instituições especializadas e nossa escassa disponibilidade para empreender essa tarefa. Teremos, então, que tomar a teoria conforme vamos elaborando, analisando-a criticamente. Não podemos aceitar qualquer teoria de olhos fechados, sem crítica, como se fosse um dogma.

Queremos estudar e pensar o país e a região como revolucionários. Então, entre os elementos que incluem as diferentes tendências da corrente socialista, tomaremos sempre os elementos que melhor nos sirvam para isso: para pensar e analisar de forma revolucionária o país, a região ou outras regiões e experiências. Não iremos adotar uma teoria para pô-la em um "cartazinho de moda". Para viver repetindo "citações" que outros disseram em outros lugares, em outro tempo, a propósito de outras citações e problemas. A teoria não é para isso. Para isso a usam os charlatães. A teoria é um instrumento, uma ferramenta, serve para fazer um trabalho, serve para produzir o conhecimento que necessitamos produzir. A primeira coisa que nos interessa conhecer é o nosso país.Se não nos serve para produzir novos conhecimentos úteis para a prática política, a teoria não serve para nada, se converte em mero tema de palestra improdutiva, de estéril polêmica ideologizante.

Quem compra um grande torno moderno e, ao invés de tornear fica falando do torno, faz um mal papel, é um charlatão. Da mesma forma aquele que, podendo ter um torno e usá-lo, prefere tornear à mão, porque era assim que se fazia antes...


ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE TEORIA E IDEOLOGIA

Cabe aqui pontuar algumas diferenças entre o que habitualmente se chama teoria e ideologia.

A teoria aponta para a elaboração de instrumentos conceituais para pensar rigorosamente e conhecer profundamente a realidade concreta. É neste sentido que se pode falar da teoria como equivalente à ciência.

A ideologia, em troca, é composta de elementos de natureza não científica, que contribuem para dinamizar a ação, motivando-a, baseada em circunstâncias que, ainda que tendo relação com as condições objetivas, não derivam dela, no sentido estrito. A ideologia está condicionada pelas condições objetivas, ainda que não seja determinada mecanicamente por elas.

A análise profunda e rigorosa de uma situação concreta, em seus termos reais, rigorosos, objetivos, será assim uma análise teórica de caráter o mais científico possível. A expressão de motivações, a proposta de objetivos, de aspirações, de metas ideais, isso pertence ao campo da ideologia. A teoria torna precisa, circunstancializa as condicionantes da ação política: a ideologia motiva-a e a impulsiona, configurando-a em suas metas "ideais" e seu estilo.

Entre teoria e ideologia existe uma vinculação estreita, já que as propostas destas se confundem e se apóiam nas conclusões da análise teórica. Uma ideologia será tanto mais eficaz como motor da ação política, quanto mais firmemente se apóie nas aquisições da teoria.


OS ALCANCES DO TRABALHO TEÓRICO

O trabalho teórico é sempre um trabalho que se sustenta e se baseia nos processos reais, no que acontece na realidade histórica. Sem dúvida, como trabalho, se situa inteiramente no campo do pensamento: não há conceitos que sejam mais reais que outros. A respeito disso cabe pontuar duas proposições básicas:


1 - A distinção entre a realidade existente, concreta, os processos reais, históricos e por ouro lado os processos do pensamento, apontados ao conhecimento e compreensão daquela realidade. É necessário, para dizer em outros termos, afirmar a diferença entre o ser e o pensamento, entre a realidade tal como é e o conhecimento que sobre ela se pode ter.

2 - A primazia do ser sobre o pensamento, da realidade sobre o conhecimento. Dito de outra maneira, é mais importante, pesa mais como determinante do curso dos acontecimentos o que se passa na realidade, do que o que sobre esses fatos se possa pensar ou conhecer.


A partir destas afirmações básicas, cabe realizar certos apontamentos para precisar os alcances do trabalho teórico, ou seja, o esforço do conhecimento guiado por propósitos de conhecimento rigoroso, científico. O trabalho teórico é sempre realizado a partir de uma matéria prima determinada. Não parte do real concreto, da realidade propriamente dita, senão que parte de informações, de dados e noções sobre esta realidade. Este material primário é tratado, no processo de trabalho teórico, por meio de certos conceitos úteis, de certos instrumentos do pensamento. O produto deste tratamento é o conhecimento.

Dito em outros termos: só existem, propriamente falando, objetos reais, concretos e singulares (situações históricas determinadas, em momentos determinados). O processo do pensamento teórico tem por fim conhecê-los. Às vezes o trabalho de conhecimento aponta para objetos abstratos, que não existem na realidade, que só existem no pensamento, mas que são instrumentos indispensáveis, condição prévia para poder conhecer os objetos reais (por exemplo o conceito de classe social, etc.). No processo de produção de conhecimento, portanto, se transforma a matéria prima (percepção superficial da realidade) em um produto (conhecimento rigoroso, científico, dela).

O termo "conhecimento científico" deve se tornar preciso no que diz respeito à realidade social. Aplicado a esta realidade, alude à sua compreensão em termos rigorosos, o mais aproximado possível da realidade tal como ela é.

Fica dito com isso que o processo de conhecimento da realidade social, como o de toda realidade objeto de estudo, é suscetível de um aprofundamento teórico infinito. Assim como a física, a química e outras ciências podem aprofundar infinitamente o conhecimento das realidades que constituem seus respectivos objetos de estudo, a ciência social pode aprofundar indefinidamente o conhecimento da realidade social. Por isso é inadequado esperar um conhecimento "acabado" da realidade social para começar a atuar sobre ela tratando de transformá-la. Não menos inadequado é tentar transformá-la sem conhecê-la a fundo.

O conhecimento rigoroso, científico, da realidade local, de nossa formação social, só se conquista trabalhando sobre informações, dados estatísticos, etc., por meio dos instrumentos conceituais mais abstratos que proporcionam e constituem a teoria, Através da prática teórica busca-se a produção desses instrumentos conceituais, cada vez mais precisos e mais concretos, que conduzam ao conhecimento da realidade específica de nosso meio.

Somente a partir de uma compreensão teórica adequada, ou seja, profunda e científica, podem desenvolver-se elementos ideológicos (aspirações, valores, ideais, etc.) que constituem os meios adequados para a transformação de tal realidade social com coerência de princípios e eficácia na prática política.


A PRÁTICA POLÍTICA E O CONHECIMENTO DA REALIDADE

Uma prática política eficaz exige, portanto, o conhecimento da realidade (teoria), a postulação harmônica com ela de valores objetivos de transformação (ideologia) e meios políticos concretos para conquistá-la (prática política). Os três elementos se fundem em uma unidade dialética que constitui um esforço pela transformação social que o partido postula.

Pergunta-se: devemos esperar um desenvolvimento teórico acabado para começar a atuar? Não. O desenvolvimento teórico não é um problema acadêmico, não parte do zero. Se fundamenta, se motiva e se desenvolve a partir da existência de valores ideológicos, de uma prática política. Mais ou menos corretos, mais ou menos errôneos, estes elementos existem historicamente antes que a teoria, e motivaram seu desenvolvimento. A luta de classes existiu muito antes de sua conceituação teórica. A luta dos explorados não esperou a elaboração do trabalho teórico que desse razão para ela desencadear-se. Seu ser, sua existência, foi anterior ao seu conhecimento, à análise teórica de sua existência.

Por isso, a partir dessa comprovação básica é que surge como fundamental e prioritário a atuação, a prática política. Somente a partir dela, em sua existência concreta, nas condições comprovadas de seu desenvolvimento, pode chegar a elaborar-se um pensamento teórico útil. Que não seja uma gratuita acumulação de postulações abstratas com mais ou menos coerência e lógica interna, mas sem coerência com o desenvolvimento de processos reais. Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar. Podemos prescindir da teoria em nossas urgências práticas? Não. Pode existir, admitimos, uma prática política fundamentada somente em critérios ideológicos, ou seja, não fundamentada ou insuficientemente fundamentada em adequadas análises teóricas. Isso é o habitual em nosso meio.

Ninguém poderá sustentar que existe, em nossa realidade e ainda na região americana, uma análise teórica adequada; uma compreensão conceitual suficiente, menos ainda. Esta comprovação é extensiva, por outra parte, ao conjunto da realidade. A teoria é esboçada em uma etapa apenas inicial de desenvolvimento. Apesar disto, há muitos decênios se combate, se luta. Esta comprovação não deve conduzir ao desdém da importância fundamental do trabalho teórico. À pergunta formulada antes cabe responder então: o prioritário é a prática, mas na condição de eficácia desta radica no conhecimento o mais rigoroso da realidade.

Em uma realidade como a nossa, com a formação social de nosso país, o desenvolvimento teórico tem que partir, como em todas as partes, de um conjunto de conceitos teóricos eficazes, operando sobre uma massa o mais ampla possível de dados, que se constitua a matéria prima da prática teórica.

Os dados por si só, tomados isoladamente, sem um tratamento conceitual adequado, não dão noção da realidade. Simplesmente adornam e dissimulam as ideologias a cujo serviço se funcionalizam aqueles dados. Os conceitos abstratos, em si mesmos, sem se encaixar em uma base informativa adequada, não aportam tampouco ao conhecimento das realidades. O trabalho no campo teórico que se desenvolve em nosso país, flutua habitualmente entre ambos extremos errôneos.