quarta-feira, 6 de junho de 2007

A visita de Bush e o etanol brasileiro

Desmistificando o acordo sobre o etanol brasileiro

Em visita ao Brasil no dia oito de março desse ano, o presidente dos EUA, George Bush, veio fazer uma série de acordos com o presidente Lula. Esses acordos envolvem o tão famigerado “biodiesel”, mas especificamente o que se refere ao etanol produzido a partir da cana de açúcar. Há muito tempo o Brasil se destaca na produção desse tipo de combustível, que trouxe muito mais miséria e devastação ambiental do que benefício pro povo brasileiro.

O encontro teve um caráter mais político que diretamente econômico, embora os interesses para o capital internacional e para uma parcela da burguesia nacional são de grande relevância. Os EUA, embora seja um grande produtor de petróleo e seus derivados, produzem muito mais do que necessitam para, entre outras coisas, abastecer sua enorme frota de veículos. Com isso, dependem da importação realizada a países os quais mantêm relações conflituosas, principalmente Irã e Venezuela. O governo brasileiro faz jogo duplo, mantendo um discurso progressista junto aos seus aliados da América Latina, mas sem quebrar relações cordiais com os ianques. Desta forma, Bush, após perder as eleições parlamentares no seu país, implementando uma política internacional desastrosa – inclusive prejudicando o próprio interesse do imperialismo norte-americano –, aproveita a grande comoção internacional a respeito do aquecimento global para anunciar a política de substituir parte do combustível fóssil por combustíveis menos poluentes como o etanol. De quebra, minar a influência do seu adversário venezuelano, Hugo Chaves.

De fato, o etanol polui cerca de 70% a menos do que os combustíveis derivados do petróleo, mas a que preço? Para se extrair álcool suficiente para suportar as exportações crescentes em decorrência de acordos como esse, precisaríamos ampliar a área de cultivo de cana de açúcar. Essa monocultura é baseada na sua grande maioria em grandes latifúndios, responsáveis pela destruição de extensas áreas de mata atlântica e de serrado. Se a justificativa é a diminuição do aquecimento global, estaríamos assim colaborando com o seu aumento, já que a devastação de áreas de florestas é uma das principais causas do aquecimento em curso. Sem falar na necessidade do uso de agrotóxico, que causa o desequilíbrio ecológico e compromete a saúde da população.

O cultivo da cana de açúcar tem uma história de exploração e miséria em nossa sociedade que vem desde da época do Brasil colônia, quando foi uma das principais atividades financiadoras do tráfego e escravidão de vários povos negros, arrancados da África e forçados a sustentar a riqueza da nossa nascente elite. De lá para cá, a escravidão acabou na lei, mas não na prática, pois vários trabalhadores rurais são obrigados a viver em condições subumanas em troca de algo que mal dá para sua sobrevivência. Por se tratar de uma monocultura, milhares de pessoas que poderiam com pequenas propriedades (cultivada de forma familiar ou coletiva) estar produzindo alimentos mais baratos e de maior qualidade para o campo e a cidade, são obrigados a fugirem para as capitais, inchando as favelas e colaborando com o aumento da miséria e, conseqüentemente, da violência urbana. Em estados nordestinos como nas Alagoas, pode-se ver por toda parte o rastro de miséria deixado pelos grandes usineiros que controlam a vida política há séculos. Isso se faz presente seja nas antigas áreas de Mata Atlântica (hoje praticamente inexistentes), seja na capital Maceió, constituída em sua maior parte por periferias localizadas nas grotas onde a condição de vida beira ao caos (boa parte composta pelos refugiados da cana), seja também no interior em um regime de semi-escravidão e com histórico de violência contra sindicalistas rurais e aqueles que ousaram levantar a voz contra a opressão dos usineiros.

Na imprensa burguesa e por parte do governo, é passado a notícia que seria vantajoso para os brasileiros esses novos acordos, pois poderíamos liderar as exportações desse produto, aumentar o número de empregos e ainda se passar por ecologicamente correto. Porém, os EUA não sinalizam com a derrubada das taxas sobre o etanol brasileiro e prometem investir na abertura de cerca de 70 a 100 novas usinas de álcool com o controle do capital norte-americano, sem falar que o investimento estrangeiro já vem ocorrendo. Estima-se que cerca de 50% do setor estará nas mãos de organizações internacionais em 10 anos. Seja para burguesia internacional ou nacional esses acordos só privilegiam seus interesses e em nada colaboram com o povo. O governo Lula, que nunca demonstrou estar em compasso com os interesse do povo, embora mantenha discurso e medidas populistas, demonstra que trabalha para o capital internacional e para burguesia brasileira. Como todo bom administrador do Estado, cria medidas que colaboram com a reprodução do capital, favorecendo apenas a elite e com migalhas enganando o povo. É certo que irão aumentar o número de empregos, mas a que preço? O cultivo da cana é sazonal. Em uma parte do ano alguns trabalhadores vivem o regime de semi-escravidão no corte da cana (cada vez mais mecanizado e dispensando mais mão de obras), outra parte trabalha nas usinas de beneficiamento em trabalhos temporários sem segurança. Sem falar no grande número de trabalhadores que viajam do nordeste para o centro-sul (onde o corte de cana se dá em época diferente) na esperança de incrementar sua renda e encontram um regime de trabalho duro e que em algumas vezes não dá para pagar as passagens de volta, pois muitos são abandonados pelas empresas no final do corte. No resto do ano são abandonados à própria sorte.

É necessário propagar essa denúncia como forma de conscientizar a população do que está por trás de acordos como esse, travestido de falsas vantagens para o povo e mostrar quem são os verdadeiros beneficiados: a mesma elite que se sucede na história de nossa sociedade, cujo interesse é apenas o lucro, cada vez mais travestido de discurso “politicamente-correto”. A luta contra os usineiros não pode ser uma luta isolada, tem que fazer parte de um projeto maior. Um projeto de uma nova sociedade na qual se leve em conta os interesses da população, baseado na justiça social. A luta que também seria por uma agricultura que andasse em compasso com nossas necessidades, de maneira harmoniosa ao meio ambiente e de forma sustentável, garantindo a reprodução da vida e não do capital.

Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

Texto publicado no Jornal Socialismo Libertário, nº 15

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